domingo, 4 de março de 2012

Eu por Vós!!...








A mesa estava repleta de mil iguarias! Desde o aromático pão-de-ló muito amarelinho, aos fios de ovos e à suculenta tarte de noz, passando pelas tacinhas de mousse de chocolate, pelas amêndoas de qualidades variadas e por apelativos bonboms de diferentes sabores, tamanhos e feitios que a enfeitavam, tudo anunciava a aproximação de um grande momento de festa!
No ar daquele Domingo de Abril, sentia-se a brisa fresca da Primavera e o Sol brilhava intenso lá no alto do céu. Os passarinhos enchiam a abóbada da atmosfera, com centenas de cânticos e chilreios repletos de entusiasmo!
Silvie ouvia os sinos da igreja do sítio onde morava, a repicarem alegremente, para anunciarem que o cortejo pascal estava já a deixar a casa de Deus, para ir visitar os lares dos seus paroquianos.
Enquanto a mãe e a avó, a ajudavam a ela e às irmãs a vestirem-se, a pentearem-se, a calçarem-se e a pôr tudo em ordem para receberem a visita Pascal, a pequena ia pensando para com os seus botões: “iupi, que bom, finalmente chegou o Domingo de Páscoa”!
Assim que ficou pronta, a menina foi até à varanda para ir ver como iam as coisas na rua. Olhando ora para cima, ora para baixo, percebeu que também ali, o ambiente era de grande festa e entusiasmo.
Silvie reparou que, os vizinhos davam os bons-dias uns aos outros com um ar sorridente e feliz e por todo o lado, ouvia-se o som de foguetes a estalar, uns que rebentavam mais perto de sua casa e outros em locais bastante afastados.
Enquanto os adultos espalhavam flores na entrada das suas casas e enfeitavam as varandas com lindas colchas de linho branco, como a sua mãe acabava de fazer, várias crianças amigas dela entravam e saíam dos seus lares, num constante vai e vem, ansiosas por verem chegar o compasso.
De repente, um menino de indicador estendido para o fundo da rua, anunciou em voz alta:
- Olhem já ali vêm em baixo!
Era verdade! Silvie sorriu satisfeita e correu para dentro de casa para avisar os pais, as irmãs e a avó de que o compasso já estava a chegar! Aos poucos, foi começando a ouvir-se na rua, de forma distinta, o som dos sininhos que traziam os senhores que compunham a pequena procissão e que tilintavam docemente, à medida que eles iam caminhando e se iam aproximando.
Num instantinho Silvie desceu as escadas para verificar se as flores tinham sido bem espalhadas à entrada da casa e para certificar-se de que tudo estava realmente como devia de ser. Até a sua cadela Sacha trazia ao pescoço, um lindo lacinho de seda vermelho, para demonstrar que estava tão feliz como os restantes elementos da família!
Depois voltou novamente para o seu “posto de vigia” e quando viu o compasso sair da casa dos vizinhos, disse à mãe radiante de alegria:
- Mãe, Mãe eles já aí vêm, agora é a nossa vez! E de facto, ainda a pequena mal tinha acabado de falar e já começava a escutar-se no fundo dos degraus de sua casa, o melodioso som dos sininhos.
Enquanto toda a família se reunia na sala-de-jantar, em volta da mesa repleta de delícias de fazer crescer água na boca, para receber o Senhor Jesus ressuscitado, os tlintins, tlintins, tlintins iam ressoando escada acima, até chegarem àquela divisão. A seguir, o sacerdote da paróquia entrou naquele lugar acompanhado por dois acólitos e dois ministros habituais da comunhão e disse em voz alta:
- Aleluia, aleluia, o Senhor Jesus ressuscitou! Paz e alegria a todos os elementos desta casa e que Deus-Pai abençoe esta família com a Sua Graça! Em seguida, o sacerdote entregou a linda cruz metálica que trazia nas mãos, com Jesus crucificado, enfeitada com bonitas fitas de seda vermelha, ao pai de Silvie, que a recebeu cheio de terna reverência e respeito por Jesus Cristo e pelos seus dignos representantes!
Depois, com toda a delicadeza, levou Jesus para ser beijado nos pés, por todos os membros da família e até permitiu, que Silvie pegasse em Sacha ao colo e tocasse delicadamente no fundo da cruz com a sua pata, enquanto lhe dizia em voz baixa:
- Vês, este é que é o Jesus de que te falei.
Ao contemplar aquele cenário ternurento, o sacerdote sorriu comovido e passou a mão delicadamente pelos longos cabelos da menina!
Foi nesse momento que a mãe de Silvie, ofereceu ao senhor padre e aos que o acompanhavam, uma fatia de pão-de-ló e uma tacinha de vinho do porto, para retemperarem as forças para o caminho. Por breves instantes, todos se acomodaram em torno da mesa e algum tempo depois, o amável cortejo despedia-se da família Pinheiro.
Enquanto acomodava nos bolsos do casaco a mão-cheia de rebuçados que um dos senhores lhe tinha oferecido antes de partir, Silvie caminhou para a varanda, pois queria vê-los a entrar na casa seguinte, que ficava ao lado da sua.
Ora foi no momento em que tornou a olhar novamente para Jesus, que Silvie se recordou de um dos sonhos que tinha tido, numa das noites anteriores àquele Domingo de Páscoa.
No seu sonho, Silvie estava a ter uma aula de catequese, mas ao contrário do que era habitual, daquela vez o catequista era o próprio Jesus e não a Paulinha como de costume. Numa voz muito terna e agradável, Jesus falava aos meninos e meninas e ia-lhes explicando com desenhos no quadro, algumas passagens da Sagrada Escritura.
A menina gostou imenso da passagem do Bom Pastor, de quando Jesus disse que era a Fonte da Água Viva e lhes contou que era acima de tudo, um Deus de Misericórdia. A seguir, explicou-lhes os motivos porque tinha aceitado ser flagelado e morrer naquela cruz, para assim redimir os Homens dos seus pecados e lhes abrir novamente de par em par, as portas do Paraíso!
Quando o compasso saiu da casa do seu vizinho, Silvie ao vê-los afastarem-se lentamente, recordou-se por instantes, das últimas palavras que Jesus lhes tinha dito, antes de se despedir das crianças e de a imagem Dele se esfumar devagarinho diante dos seus olhos:
- Então não se esqueçam que Jesus vos ama muito, que tem o seu olhar sempre posto nas crianças e que elas vivem permanentemente no seu coração. Lembrem-se, de que tudo aquilo que disse e fiz pelos Homens foi porque lhes quero muito, foi porque Eu por vós, Eu por vós, Eu por Vós...


Sónia Queirós.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Uma “Vizinha Fora de Série”!






A manhã despontou ruidosa e barulhenta! Naquele dia depois de acordar, tomar o pequeno-almoço e preparar-se para sair com a sua cadela Jane para o passeio matinal, Clarinha reparou que alguma coisa estranha estava a acontecer perto da casa onde morava.
Ao contrário do ambiente calmo e tranquilo que habitualmente ali se sentia, enfeitado pelos doces e melodiosos gorjeios dos passarinhos, aquela manhã despontou estremunhada pelo ronco forte dos motores de máquinas retro-escavadoras, moto-serras que zumbiam como vespas furiosas e com o estampido de árvores que caíam desamparadamente no chão. Por todos os lados, haviam homens que falavam alto, assobiavam e faziam gestos uns para os outros para comunicarem entre si, enquanto manobravam de um sítio para o outro, pesadas máquinas e camiões.
A pequena mal conseguia acreditar naquilo que os seus olhos viam e os ouvidos ouviam, mas fosse lá como fosse, era inegável que naquele dia, a calma e o sossego habituais, haviam sido substituídos por uma tremenda confusão e uns barulhos ensurdecedores!
Como é normal, a menina levou Jane, a sua querida amiga de quatro patas para um lugar bem afastado daquele sítio, por onde costumavam dar início ao seu passeio matinal. Claro que naquela altura, era impensável deixar a sua companheira correr livremente pelos terrenos ali próximos, como tanto gostava de fazer, pois algo de muito mau poderia acontecer-lhe, se ela cometesse tal imprudência.
Alguns dias mais tarde, depois de o terreno ter ficado completamente desbravado, aterraplanado e despido de tudo, veio um novo grupo de homens, equipado com outras máquinas e camiões. Dessa vez trouxeram redes metálicas, grossas traves de madeira, pregos e parafusos. Das caixas de carga dos camiões descarregaram também, martelos pneumáticos, um compressor, pás, picaretas, areia e sacos de cimento.
Depois de terem depositado no solo todos os materiais, começaram a fazer vários buracos no chão, enterraram neles as traves de madeira e a seguir taparam-nos com cimento para que ficassem bem seguras. Na etapa seguinte, colocaram redes metálicas em volta dessas traves, vedando assim todo o terreno, construiram uma espécie de portão com rede e madeira, para que ninguém pudesse andar livremente por aquele espaço, como antes acontecia, fecharam-no e depois foram-se embora.
O silêncio e a harmonia voltaram novamente àquele local. Mas, verdade seja dita, Clarinha sentia muita falta dos pinheiros, eucaliptos e tílias que antes enfeitavam aquele lugar e o mesmo sucedia em relação ao alegre canto dos passarinhos, dos grilos e das cigarras que outrora ali moravam. Além disso, nenhum dos moradores daquela zona sabia muito bem, acerca de qual seria a finalidade de tudo aquilo, pois o novo dono daquele espaço parecia ser de poucas falas.
À medida que as semanas foram passando, ele começou a cultivar uma parte do seu terreno com produtos agrícolas. Noutro lado construiu uma espécie de galinheiros onde colocou galinhas e patos e depois trouxe para lá, dois cães para lhe guardarem a propriedade.
Ora numa manhã em que Clarinha ia a passear com a sua querida Jane junto daquele local, um dos cães mais corajosos aproveitou-se do facto de o portão estar aberto para vir logo ter com elas. Ao vê-lo aproximar-se, Clarinha nem hesitou, puxou de imediato Jane para junto de si e deu um berro ao intruso cheio de convicta determinação:
- Sai já daqui! Volta imediatamente para o teu terreno ou então vais apanhar…
Logo que o dono do animal se apercebeu do que estava a passar-se, assobiou-lhe de longe para o chamar para junto dele enquanto se aproximava da menina o mais rapidamente que conseguia. A seguir, enquanto fazia umas festas ao seu amigo de quatro patas, para a tranquilizar disse-lhe:
- Tenha calma menina, a Linda é uma cadela muito mansa, que só quer brincar e não faz mal a ninguém!
- Está bem, mas o senhor tem que prestar mais atenção aos seus animais para que eles não venham assim de qualquer maneira para fora da sua propriedade.
- Fique descansada, que eu vou estar mais atento. E afagando ternamente o pêlo da sua companheira, lá a levou consigo para dentro da propriedade, fechando depois o portão atrás deles.
Quando ao almoço Clarinha contou aos pais a peripécia que tinham vivido naquela manhã, o pai disse-lhe:
- É verdade Clarinha, eu e a mãe também já lhe fizemos umas festinhas umas vezes, pois à noite quando vamos tomar café ela vem sempre para junto da rede e mete o focinho por uma das aberturas para chamar por nós. E quando nos aproximamos depois abana vivamente a cauda e lambe-nos ternamente as mãos enquanto lhe afagamos o focinho, as orelhas e o dorso.
Depois de ter escutado tudo aquilo, também a pequena ficou com curiosidade de conhecer melhor a amável Linda, pois também ela gostava imenso de animais! E sem perder um minuto que fosse, decidiu que no dia seguinte, quando ela e Jane fossem dar o seu passeio matinal, parariam ambas pertinho da rede e a chamariam para ver o que aconteceria.
Quando na manhã seguinte Clarinha parou com Jane junto da rede e chamou por Linda, poucos segundos depois, ela ali estava com um ar de estupefacção, mas abanando a cauda e cheirando as mãos da menina com todo o interesse. Depois veio a primeira lambidela, a segunda e Clarinha ganhou confiança e começou também a fazer-lhe festas cheia de entusiasmo, gestos que eram também acompanhados por vivas oscilações de cauda da parte de Jane! Que bom que a Linda era tão afável como o pai lhe tinha dito!
Com o correr das semanas muitas outras coisas maravilhosas aconteceram, pois certa manhã quando Clarinha andava a passear com Jane num pinhal próximo da propriedade que Linda deveria guardar, ela veio ter com elas e ofereceu tanto a Jane como à sua dona, uma série de carinhos, latidos e de oscilações de cauda! A alegria do trio era imensa!
Num mar de satisfação, Linda ora colocava as patas dianteiras nos ombros de Clarinha, ora se deitava de barriga para cima e patas para o ar, enquanto esperava que a menina lhe fizesse festinhas no peito e na barriga. A seguir, as duas novas amigas de quatro patas correram alegre e velozmente pela erva fresquinha, rebolaram-se nela até se cansarem e depois vieram sentar-se ambas junto da pequena que as afagava ternamente, ora a uma, ora à outra.
Como era habitual, ao almoço desse dia Clarinha contou aos pais como tinha ficado alegre com o facto de Linda ter ido ao encontro dela e de Jane. O pai disse-lhe então:
- Ah, não me admiro nada que ela tenha ido ter convosco, porque quando à noite vou passear a Jane, às vezes ela também vem ao nosso encontro.
- Ai sim, Pai? E como é que ela faz isso se o portão da propriedade está fechado?
- Ora bem, é muito fácil. Noutro dia estive a ver como é que ela fazia para sair da propriedade e reparei que conseguia fugir por um buraco que havia na rede, perto do chão na parte de trás do terreno. Para voltar a entrar, trepava para cima dum muro baixinho e depois saltava lá para dentro, percebes filhota?
- Oh sim pai, muito bem respondeu Clarinha com um ar de admiração no rosto.
- Ainda ontem à noite ela foi ter comigo e com a Jane, fez-nos muitas festas e depois andaram as duas a brincar pondo-se uma às cavalitas da outra, levantando-se nas patas de trás e abraçando-se com as da frente, enfim, pelo que vejo, elas gostam muito uma da outra!
- Ah sim, isso é o que eu também acho...
Alguns dias depois, numa noite quente de Verão, os pais de Clarinha disseram-lhe se ela queria ir com eles ao café e comer um gelado junto deles. A resposta da pequena nem se fez esperar:
- Claro que quero, disse a menina com os olhos a brilhar de felicidade!
Após terem saído de casa e caminhado alguns metros passaram mesmo em frente ao terreno onde a Linda morava. Ela mal os viu de longe logo ladrou para os chamar, apelo ao qual responderam prontamente os três. Parados junto da rede metálica, faziam-lhe muitas festas, diziam-lhe palavras afectuosas enquanto ela correspondia com gentis e delicadas lambidelas.
Poucos minutos depois despediram-se e afastaram-se dali, o que muito desagradou à amável Linda que ficou a ganir e a ladrar com força, para ver se algum deles mudava de ideias e voltava para trás. Mas vendo que os seus apelos não eram atendidos e que o grupo se ia afastando lentamente, então Linda resolveu tomar uma atitude...
Sem perder um minuto que fosse, correu apressadamente até ao fundo do terreno, encolheu-se o melhor que pôde para sair “pelas traseiras” e em poucos segundos, já percorria a distância que a separava dos novos amigos veloz como uma flecha!
Como era uma excelente corredora, rapidamente os alcançou e uma vez junto deles, afastou-se um pouco para diante e depois ladrou uma ou duas vezes e atirou-se cheia de alegria de encontro ao peito do pai de Clarinha. Entre risos e festinhas ele agarrou-a logo para que ela não caísse no chão!
A família estava surpreendida com a maneira alegre e confiante como Linda saltava feliz, de encontro ao peito de cada um deles! Em meia dúzia de passos, todos riam com agrado dos saltos e latidos da encantadora companheira!
Uma vez por outra, Clarinha agarrava-a e segurando-a com força contra o peito, caminhava uns quantos passos em frente, enquanto a gentil visitante se deixava transportar, oscilando docemente as patas traseiras e a cauda de um lado para o outro. Depois pousava-a no chão e ela caminhava naturalmente junto deles, tal como se eles fossem os seus donos.
Foi num desses momentos bonitos, que a menina disse ao pai cheia de satisfação:
- Sabes pai, acho que o dono da Linda é uma pessoa pouco simpática, mas ela ao contrário dele é uma cadela muito querida, não te parece?
- Sim senhora, Clarinha, tens toda a razão! Eu também acho que a Linda é mesmo uma “vizinha fora de série”!


Sónia Queirós.