sexta-feira, 29 de julho de 2011

A Maravilhosa Exposição de Amor!

A noite já havia descido sobre a casa daquela família. Na cozinha, num ambiente muito acolhedor, faziam-se os últimos preparativos para o jantar. Na sala-de-jantar, ia-se pondo a mesa, pois esse era o local onde a família se reunia habitualmente, para tomar as refeições principais.
De repente, a filha mais nova do casal entrou em casa, um pouco mais cedo do que era costume, o que gerou a surpresa e o agrado geral. Logo depois de ter cumprimentado a todos com um beijinho de boa-noite, a jovem dirigiu-se à mãe e disse-lhe num tom afectuoso:
- Mãe, queria pedir-te um favor.
Ainda a resposta afirmativa da mãe mal se tinha feito ouvir e, já a jovem descia de novo os degraus da casa até à porta da entrada, para os voltar a subir um ou dois minutos depois. Nos lábios trazia um sorriso cheio de alegria e no colo, uma encantadora cadelinha recém-nascida. A amável visita, vinha confortavelmente instalada dentro de um cestinho de palha acolchoado e olhava muito atenta para tudo o que a rodeava. Assim que chegou junto da mãe, a jovem passou-lho para as mãos e disse-lhe:
- “Chama-se Kiamy, e queria pedir-te se não te importas de tomar conta dela durante os próximos dois meses, pode ser?...”
Enquanto a mãe afagava ternamente o pêlo macio da recém-chegada hóspede, outra das filhas do casal entrou na cozinha para ir buscar os talheres e ficou igualmente cativada pela beleza e encanto da pequena Kiamy. Com todo o cuidado que requer qualquer recém-nascido (seja ele humano ou animal), começou de imediato a fazer-lhe carinhosas festinhas, deu-lhe muitos beijinhos na cabeça, no focinho e nas orelhas aveludadas, para mostrar-lhe o quanto ela era bem-vinda ao aconchego daquele lar. Em troca, a amável Kiamy ia retribuindo gentilmente todos os carinhos de que era alvo, ora lambendo o rosto e as mãos das que lhe faziam meiguices, ora agitando a sua pequena cauda como sinal de que também estava muito feliz com aquela recepção de boas-vindas .


Depois foi a vez do chefe da casa, que ao vê-la enfeitada com um lindo lacinho vermelho que trazia no pescoço e que a tornava ainda mais graciosa, lhe fez também muitas festinhas. Pouco tempo depois, a jovem que terminara de pôr a mesa para o jantar, pediu ao pai para lhe deixar pegar mais um bocadinho na cadelinha, ao que ele acedeu de boa vontade, mas recomendando-lhe que tivesse muito cuidado para não a deixar cair.
Durante o jantar daquela noite, a ilustre visitante andou de colo em colo e todos falavam baixo, para não incomodar o sono da “mais recente elemento do lar”. Na televisão, os apresentadores do Telejornal, também concordaram que deviam reduzir um pouco mais o volume, para que tudo decorresse com a maior tranquilidade e paz possíveis!
Contudo, nem tudo foram rosas para a pequena cadelinha! É que o Dinho, um cão-de-água muito meigo e espertalhão, que era já um dos habitantes antigos da casa, devido a um certo conjunto de razões “muito pessoais”, ao princípio não pareceu achar assim lá grande piada àquela encantadora bolinha de pêlo! Depois de a farejar minuciosamente, aos poucos lá a foi começando a aceitar como nova companheira, mas isso nem sempre era coisa fácil e muito menos pacífica.
Nos primeiros dias depois da sua chegada, a pequena Kiamy era uma cadelinha triste e tímida, gemia com frequência durante a noite e tinha um sono muito agitado, o que não era para admirar. É que, segundo se veio a saber, alguém com pouco coração, a havia abandonado a ela e aos seus irmãozinhos, sem dó nem piedade, ao frio da noite, sem água nem comida e nada preocupado com o futuro daqueles pobres cãezinhos indefesos.
Mas a estrela da sorte da pequena Kiamy estava com ela! Pouco tempo depois de ter vivido esse triste episódio, numa tarde soalheira de Outono, um casal de jovens namorados que haviam decidido ir visitar uma exposição de animais para adopção, descobriram-na junto dos irmãozinhos, deitada num pequeno cobertor. A menina perguntou à senhora que estava a cuidar deles, se poderia pegar-lhe ao colo e, de imediato “apaixonou-se” pelos seus encantos e fragilidades.
Foi certamente, amor à primeira vista! Depois de devidamente vacinada, com o chip já colocado e transportando um pacote de comida na mão, levou-a ternamente consigo para casa e, desse momento em diante, tudo mudou de forma definitiva para a “nova membro” da família Queirós.
À medida que os dias foram passando, rodeada de atenções e cuidados, a linda pastora belga de olhos azuis e pelagem bege-amarelada, foi-se tornando uma cadela alegre e brincalhona, muito meiga e graciosa, dotada de uma vivacidade e energia contagiantes. Para ela, todas as horas eram boas para brincar, caminhar ao ar livre e correr atrás ora de bolas, paus, garrafas de água vazias, ora de coelhos, galos, passarinhos e de outros animais que raramente conseguia apanhar. Lentamente e quase sem darem por isso, algum tempo depois da sua chegada, ela tinha já conquistado inteiramente os olhares e corações dos habitantes daquela residência, tanto dos que caminhavam sobre dois pés, como daquele que se deslocava em cima de quatro patas.


Claro que por vezes, surgiam situações um tanto espinhosas! Esse era por exemplo o caso, das alturas em que Kiamy roía as meias, as roupas interiores das pessoas da casa, os pés das cadeiras e das mesas de madeira, os cobertores e edredons das camas, isso para nem falar dos odoríferos chichis com os quais humedecia por vezes, a carpete da sala-de-jantar! No entanto, mal era chamada à atenção, logo Kiamy começava a abanar viva e graciosamente a sua longa cauda felpuda, a lançar uns olhares cheios de expressivas desculpas e a preparar-se para oferecer umas delicadas lambidelas ternurentas a quem a advertia, gestos aos quais ninguém conseguia resistir e muito menos, ficar indiferente!
Noutras ocasiões, era o elemento canino, que tinha de suportar a sua quota parte de apuros. Isso acontecia, quando a sua nova companheira se decidia a persegui-lo pelas divisões da casa, para lhe morder a cauda ou tentar mamar nas mamitas dele, que verdade seja dita, estavam mais secas do que certas palhas num palheiro! Essas eram com certeza, algumas das razões pelas quais de vez em quando, lá se ouvia o ilustre veterano a rosnar-lhe ou a ladrar-lhe com força, o que fazia com que durante uns minutos ela se agachasse e ficasse realmente em sentido. Mas passado algum tempo, depois de recuperar do susto inicial, a pequena Kiamy retomava as suas investidas, pois parecia divertir-se imenso com o novo amiguinho e as brincadeiras que faziam juntos.
Apesar de aos poucos se terem tornado bons companheiros, Dinho cedo percebeu (que não tinha outro remédio), senão “aturar as tropelias daquela novata irrequieta” como podia, enquanto não se lhe esgotava a pouca paciência de que dispunha. No entanto, sempre que algo lhe desagradava seriamente, ele logo tratava de repor a ordem.
Quando numa manhã um tanto fresca de Novembro mas agradavelmente ensolarada, a pequena Kiamy foi pela primeira vez, visitar quase pela “própria pata”, o senhor Doutor para ver como andava de saúde, uma coisa se tornou muito clara nos corações daqueles que lá a acompanharam: se era verdade que pouco ou quase nada sabiam acerca dos dias tristes do seu passado, era igualmente certo que tudo fariam em prol do seu bem-estar no presente e no futuro. Aliás, só queriam proporcionar-lhe as mesmas condições de segurança, conforto e bem-estar que tinham dado ao Dinho, para que ela viesse também a ser uma cadela alegre e feliz, para que crescesse forte e saudável, como merecem todos os animais do mundo!!!


Sónia Queirós.

terça-feira, 12 de julho de 2011

A Felicidade não tem Limites!







Há já muitos e longos meses que a família Duarte aguardava com ansiedade e expectativa, o nascimento do seu segundo rebento! A julgar pelas previsões e exames médicos já realizados, seria uma menina, provavelmente forte e saudável, assim como o era o seu irmãozito Manuel que ia já nos seus exuberantes e traquinas três anos de vida.
Como aquela já não era a primeira vez que Cecília ia ser mãe, então foi preparando tudo com calma e cuidado, ao longo dos meses que antecediam a chegada do grande dia. Com o esmero e carinho que normalmente caracterizam as mães, empenhava-se por fazer tudo o que estivesse ao seu alcance, para receber da melhor forma a sua pequenina. Sem grandes canseiras mas com muita ternura e dedicação, lá ia escolhendo lindos fatinhos e vestidinhos para a menina, uns sapatinhos de lã muito quentinhos, uns babeirinhos repletos de ursinhos, flores e elefantes, isso para já nem mencionar os primeiros brinquedos, os pacotes de fraldas, de toalhetes para limpar bebés e tantas outras coisas que considerava fundamentais para o bem-estar da filha que trazia no ventre.
Secretamente, sem que ninguém se apercebesse disso, dia após dia à noitinha, depois de já ter adormecido os habitantes da casa, sentada na sua cama, ela anotava num cadernirho quanto tempo faltava ainda para a chegada do tão ansiado momento! De quando em vez, quando não se sentia muito fatigada pelo cansaço do trabalho e das lides da casa, escrevia um pequeno poema, um pensamento ou uma ou duas frases que lhe pareciam mais significativas ou então fazia um bonito desenho, para um dia mais tarde, as oferecer à sua tão ansiada e querida menina!
Como sempre acontece, na vida de todos os que vivem cada dia guiados pelo sonho e pela luz da esperança, quando numa tarde soalheira de Outono, o contador do tempo marcava ainda as suas primeiras horas, Cecília mal pôde crer naquilo que as palpitações do seu corpo e do coração começaram a anunciar-lhe. Sentiu interiormente que a feliz hora de tomar mais uma vez parte activa na dádiva da vida a um novo ser humano se aproximava.
Nessa ocasião porém, não ficou tão inquieta e angustiada como lhe acontecera, quando foi mãe pela primeira vez. Pelo contrário, começou a pouco e pouco, a sentir que dentro do seu coração, da sua alma, do cérebro ou de todos eles talvez, lentamente ia surgindo uma espécie de Sol luminoso que lhe aquecia agradavelmente todo o ser, do qual o brilho se ia intensificando à medida que crescia ligeiramente o ritmo dos seus batimentos cardíacos. Logo a seguir, o rosto de Cecília foi iluminado por um gracioso e terno sorriso, que demonstrava de maneira muito clara, que ela tinha a certeza da realidade que o íntimo começava a revelar-lhe.
Com toda a serenidade de quem já sabe o que a espera, pousou na gaveta da secretária de trabalho, os volumes e cadernos que consultava naquele preciso momento para realizar uma pesquisa importante. Em seguida, desligou o computador e telefonou ao marido com uma voz na qual se lia um misto de calma e de ansiedade, pedindo-lhe que a fosse buscar à empresa quanto antes, pois estava prestes a dar à luz.
Adriano mal podia acreditar naquilo que ouvia do outro lado da linha! Num misto de alegria e ansiedade, enquanto contemplava no pensamento a ideia de ser pai novamente, disse à esposa que ficasse tranquila que ele ia de imediato ao encontro dela. Assim, avisou prontamente a Dona Filipa, a sua competente secretária de que a cegonha já estava prestes a visitá-los pela segunda vez. Por isso, pediu-lhe que fizesse o favor de ir ter com ele quanto antes, ao que ela acedeu sem demoras. Sentada junto da secretária do chefe, tomou rapidamente nota das cartas mais importantes para despachar. Logo a seguir, estendeu-lhe os dois últimos cheques que naquele dia, faltava ainda assinar, para depois poderem seguir para o correio no fim do horário de expediente e, perguntou-lhe se queria que ela desmarcasse a reunião agendada com o Dr. Gervásio para as 17 horas daquela tarde.
Quando sentiu que todos os assuntos principais estavam mais ou menos “alinhavados”, Dona Filipa ergueu-se da sua cadeira, caminhou até ao bengaleiro que se encontrava junto da porta de saída do escritório e pegou amavelmente no sobretudo do chefe.
Adriano que entretanto se tinha levantado também, guardou uns últimos papeis numa das gavetas da secretária, colocou um arquivo numa estante metálica e fechou-o em seguida. Depois, pegou no sobretudo que Dona Filipa lhe oferecia com delicadeza e dobrou-o de forma meticulosa, colocando-o a seguir, cuidadosamente sobre o braço esquerdo. Já prestes a entrar no elevador, ainda a ouviu dizer:
- Vá descansado Sr. Dr. pois eu telefonarei para a florista que o senhor mais gosta e mandarei enviar um bonito ramo de rosas para a Dr.ª Cecília, acompanhado do respectivo cartãozinho com votos de muitas felicidades.
- Oh, muito obrigada Dona Filipa, tenho a certeza que a Cecília vai ficar muito contente!
E, como o relógio continuava a andar no seu ritmo habitual, deixou que a porta metálica se fechasse atrás dele e partiu sem mais demoras.
Algum tempo depois, enquanto esperava por notícias da esposa numa sala bem iluminada, enfeitada por uns delicados vasos que continham plantas de múltiplas colorações, formas e feitios, ia dizendo Adriano de si para consigo: Ora bolas, a vida é mesmo cheia de contrastes! Há um bocado, ansiava eu por que todos os sinais de trânsito estivessem verdes, pedia a Deus que naquele momento ninguém atravessasse nas passadeiras e lá vinha o mais depressa que podia! Só me apercebi daquela lomba enorme junto do estádio de futebol praticamente em cima dela o que quase nos fazia dar um salto dos diabos e agora, estou para aqui a imitar uma barata tonta, (se é que existem algumas desse género), a andar de um lado para o outro e a olhar para quem passa como se fosse um detective profissional. Pior do que isso, é que a porcaria das horas e dos minutos parecem não querer passar e eu ansioso para saber como é que as coisas estão a correr com a Cecília e a bebé.
Via, quase sem se aperceber da sua presença, os outros pais tão nervosos quanto ele, que tão depressa se sentavam como se levantavam, andando de um lado para o outro, olhavam impacientemente o relógio na expectativa de que o tempo passasse e não houvesse aquela sensação de impotência perante algo tão grandioso que estaria a acontecer naquele preciso momento.
Com efeito, Adriano debatia-se nas ondas revoltas de um mar de ansiedades, açoitado por um vento forte de aflições e expectativas bem difíceis de controlar... Por várias vezes, pensou em dirigir-se ao serviço de informações da maternidade, para ver se alguém já teria alguma notícia que pudesse dar-lhe. Noutras alturas, vinham-lhe ideias de se dirigir a algum dos médicos ou enfermeiras que por ali passavam ocupados com os seus afazeres e meditações, para saber se algum deles poderia talvez, dar-lhe alguma informação que o pudesse sossegar um pouco.
De repente, um médico assomou a uma das portas envidraçadas e entrando na sala de espera perguntou:
- Boa tarde. Quem é o senhor Adriano Duarte?
Adriano respondeu sem hesitações:
- Boa tarde, senhor Doutor. Sou eu mesmo.
- Então queira fazer o favor de acompanhar-me, pois tenho boas notícias para si. É pai de uma bela menina.
- E a minha esposa, como está?
- Mãe e filha estão bem, mas venha comigo que já vai estar com elas.
- É o que mais quero, neste momento
Adriano que se tinha levantado prontamente da cadeira aonde se havia recostado pela quarta ou quinta vez há uns cinco minutos atrás, tomou nas mãos os seus pertences e dispôs-se desde logo a seguir atrás do médico que o solicitava.
Após haverem percorrido alguns corredores, subido uns quantos andares e atravessado inúmeras portas, Adriano foi introduzido num quarto bem arejado e batido pelo Sol que entretanto começava a declinar lá muito ao longe na linha do horizonte. Assim que os olhos se lhe adaptaram à luminosidade doirada daquele local, reparou em Cecília que descansava tranquilamente num leito alvo e sóbrio, acompanhada por uma linda e delicada bebé recém-nascida que dormia sem sobressaltos, reclinada no confortável e aconchegante calor maternal.
De imediato Adriano sentiu os olhos humedecerem-se-lhe de emoção e o seu rosto, ficou lentamente enfeitado por um discreto sorriso de terna gratidão por aquela dádiva da Vida que acabara de receber! Sem saber muito bem como reagir ao encantador quadro que naquele momento presenciava, tirou do bolso o seu lenço delicadamente perfumado, limpou uma ou outra lágrima mais teimosa que insistia em aparecer à luz do dia e fungou baixinho para não perturbar o sono da bebé.
- Meu Deus, que cenário maravilhoso, murmurou num monólogo que só ele próprio conseguia distinguir! Assim que se sentiu mais tranquilo, aproximou-se da esposa e beijou-a ternamente na fronte. Ela abriu os olhos e disse numa voz comovida:
- Olá meu amor! Já reparaste como é linda a nossa menina?
Sim querida é um encanto! Acho-a muito parecida contigo e tenho a certeza de que há-de ser uma delicada e encantadora representante da família Duarte!
Subitamente porém, o lindo quadro edílico começou a desvanecer-se. De forma inesperada para Adriano, o rosto de Cecília perturbou-se e a pouco e pouco, o sorriso transformou-se-lhe em lágrimas de pranto que corriam silenciosa e dolorosamente umas atrás das outras, o que muito o constrangia e admirava.
- Mas querida, o que foi? O que é que se passa? Porque motivo estás assim chorosa se a menina é tão bonita? Vê se te acalmas e fala comigo, para que eu consiga compreender qual o motivo para o derramar de tantas lágrimas, está bem?
Aos poucos Cecília foi recuperando a calma, enquanto Adriano lhe enxugava ternamente os olhos com um lenço e lhe afagava as mãos com doçura. Beijando-lhe o rosto com imensa ternura, olhava para ela e dizia baixinho:
- Vá então agora a menina Cecília está a ficar chorona? É para ensinar à bebé como se faz?
Cecília sorriu com o gracejo carinhoso do marido. A seguir, começou a falar com dificuldade, dado que a voz lhe saía entrecortada por soluços frequentes, que atrapalhavam um tanto a comunicação entre ambos, mas que lentamente se foram desvanecendo perante os afectos e carinhos dele.
A ainda jovem mãe, começou então a explicar ao marido, num tom de voz que se misturava entre a tristeza e a angústia que, se calhar a filhinha deles no futuro iria ter problemas de visão, pois os olhos da menina pareciam-lhe demasiado grandes em relação aos de outros bebés e temia que isso pudesse ser um sinal de que mais tarde, ela viesse a ter problemas neles.
Como era uma pessoa naturalmente calma e optimista, muito embora tivesse ficado bastante apreensivo com aquela revelação inesperada, Adriano tentou convencer a esposa da melhor maneira que sabia, de que certamente ela estaria enganada. Assim, para não deixar transparecer a aflição que começou a sentir naquele momento, com palavras de conforto e alento, logo tratou de passar a animá-la.
Apesar de bem conhecer a importância das intuições maternas, Adriano não quis afligir a esposa mais do que ela já estava. Por isso, para a acalmar, disse-lhe que a menina era muito pequena e que portanto, naquela altura, ainda era muito cedo para estarem a tirar tais conclusões... Além disso, garantiu-lhe que só daí a alguns meses é que os médicos poderiam fazer com precisão testes aos reflexos visuais dela. Somente na posse desses resultados, é que poderiam pensar com calma sobre o assunto.
- Vê bem querida, não vale a pena estarmos ambos a sofrer desnecessariamente por antecipação!
Cecília fitou o marido com toda a atenção e disse-lhe em voz calma:
- Oh, meu amor querido é bem possível que tenhas razão e que eu esteja enganada. Deus queira que seja como tu dizes mas tenho medo de que seja realmente como penso...
- Bem se for assim como pensas, o que por agora como já te disse ainda é cedo para sabermos, tomaremos na altura certa, todas as medidas para que a nossa filha possa tornar-se uma criança feliz e para que cresça forte e saudável como qualquer outra. Fica tranquila minha querida porque, aconteça o que acontecer, bem sabes que por detrás das lágrimas estão sempre sorrisos. Além disso, repara que este é um momento de imensa felicidade para as nossas famílias e, com ou sem problemas nos olhos, ela é um rebento muito amado e desejado por todos! Se algo de diferente vier a ser necessário para a sua educação e crescimento, cá estaremos para a acompanhar, esclarecer e ensinar em tudo o que nos for possível!
Quando sentiu que a esposa estava mais calma, beijou-lhe ternamente os lábios, despediu-se dela com um doce até amanhã e pediu-lhe que cuidasse muito bem da mais recente membro da família Duarte. Já da porta da enfermaria, atirou-lhe um último beijo e saiu pedindo a Deus que as cobrisse a ambas de bênçãos e de boa sorte.
Enquanto conduzia em direcção a casa, Adriano levava a cabeça ocupada com um enorme turbilhão de pensamentos. De um modo jamais suspeitado, via-se subitamente confrontado com uma realidade absolutamente imprevista, que fugia por completo ao controlo dos seus planos e projectos.
Entretanto, sentia-se bastante inquieto com a hipótese de Cecília ter razão no que dizia, pois esse facto a ser verdade, iria alterar bastante as suas vidas e levaria a que, necessariamente tivessem de pensar de modo diferente do que haviam feito com Manuel, acerca do amanhã da menina. Certamente que, por maior que seja o número de filhos que um casal tenha, ia dizendo Adriano para os seus botões, o facto é que nunca família alguma se encontra preparada para lidar com o imprevisto, com a possibilidade de que o novo elemento vindouro possa ser portador de uma deficiência, seja ela de que género for, afecte-o em maior ou menor grau.
Foi embebido nesse género de considerações, que parou o carro junto da igreja onde costumava ir com a esposa todos os domingos. Uma vez no interior daquela, dirigiu-se à sacristia com o objectivo de lá ir procurar o sacerdote que era o seu confessor habitual e foi grande a satisfação que sentiu quando o ouviu por detrás da porta encostada, a falar com alguém ao telefone. Esperou pacientemente que ele terminasse a chamada e, depois de dar umas pancadinhas na porta para fazer-se anunciar, perguntou-lhe se ele o poderia escutar durante alguns momentos. Para grande alívio daquela alma inquieta, a resposta do sacerdote foi positiva, como acontecia quase sempre. Adoptando uma atitude de profunda reverência, expôs-lhe então amplamente as imensas aflições que naquele momento lhe apertavam o coração.
Algum tempo depois quando se encontrou novamente no exterior, com um semblante visivelmente mais aliviado, ia repetindo na mente as últimas palavras do sacerdote, que considerava cheias de sabedoria e bom senso:
- Adriano, se assim for, o que é realmente fundamental é que, após vencida a barreira da surpresa inicial, gradualmente e em conjunto vão começando a traçar planos e estratégias para um caminho de futuro que se adivinha necessariamente diferente do do Manuel. Mas, isso não significa de maneira nenhuma, que ela venha a ser uma menina menos feliz, ou menos alegre e talentosa do que o menino, pois o que é realmente fundamental é que vocês a aceitem e a amem com as suas virtudes e defeitos, independentemente de ela ter ou não, algum problema mais complexo de saúde, tal como poderá acontecer com qualquer outra criança. E olha meu filho, o que é realmente importante é o amor, pois quando ele existe mesmo, a felicidade não tem limites!