terça-feira, 29 de novembro de 2011

Uma Aventura no Oceanário








Foi um passeio maravilhoso! Os meninos daquela escola andavam animadíssimos com a ideia de dar um “saltinho” até ao Oceanário, desde o início da semana e, verdade seja dita, assim que se começaram a discutir os planos para a fabulosa viagem, parecia que os dias nunca mais queriam passar!
Mas a pouco e pouco, crianças e professores lá foram gizando as melhores estratégias para o dia da grande aventura, com muito cuidado e atenção, porque era fundamental que tudo decorresse da melhor maneira possível e que ninguém se magoasse. É que aquele teria que ser um dia inesquecível e portanto, todos teriam de fazer um grande esforço para que mais tarde, ele pudesse ser lembrado com muita alegria e saudade!
E finalmente, a tão desejada data chegou! A joaninha, naquela noite, mal tinha conseguido pregar olho. Por isso, quando a mãe a foi chamar para levantar-se, ela deu um pulo e saltou cheia de energia da cama, o que nela era coisa pouco habitual!
Sem demoras nem hesitações, foi logo tratar da sua higiene diária, de vestir-se e pentear-se e nem foi preciso apressá-la para tomar o pequeno-almoço. No caminho em direcção à escola, perguntou pela terceira vez, as horas à mãe, porque todas as crianças tinham que estar sem falta, de manhãzinha bem cedo no portão da entrada.
Claro que naqela manhã, a mãe da Joaninha não teve outro remédio senão o de sair de casa com uma antecedência maior do que a habitual, para chegarem à escola, pois a menina não se cansava de a apressar e de lhe mostrar o seu desejo de chegar quanto antes.
Como era de prever, chegaram muito antes da hora marcada para que todas as crianças e seus respectivos professores se reunissem, para depois embarcarem no autocarro que as conduziria em direcção ao aeroporto, onde deveriam apanhar um avião que iria riscar os céus em direcção a Lisboa.
A alegria, as correrias e o entusiasmo eram gerais. Até o Sol veio encher de luz e de cor o dia escolhido para a feliz missão especial, rumo ao Parque das Nações, mais especificamente em direcção ao oceanário e às suas surpresas e maravilhas!
Após a entrada de todos no autocarro, chamou-se pelo nome de cada uma das crianças inscritas na lista de participantes, agradeceu-se em voz alta a quem de direito (o Presidente da Câmara Municipal e aos seus Vereadores) e a todas as outras pessoas e entidades que voluntariamente colaboraram na realização dessa iniciativa. Depois de mais algumas recomendações importantes, lá se deu início à agradável e interessante viagem. O percurso fez-se bem e sem quaisquer sobressaltos.
Ao chegar ao aeroporto A satisfação era geral e todas as crianças se sentiam muito entusiasmadas, por irem andar de avião pela primeira vez. Entre risos e brincadeiras, todos foram ordeiramente ocupando os seus lugares e, uns com ajuda, outros sem ela, lá trataram de colocar os cintos de segurança como mandam as boas regras de vôo e, quando mal deram por isso, já tinham percorrido os muitos quilómetros que os separavam da cidade de Olíssipo que os aguardava de “braços abertos”!
Depois de uma refeição ligeira, “só para enganar a fome”, la foram os vários grupos de meninos e meninas, acompanhados pelos respectivos professores e auxiliares, tal como lhes tinha sido pedido no início da caminhada, até à porta do Oceanário.
Após terem transposto à entrada principal, não haviam olhos que chegassem para apreciar e abarcar tanta beleza junta. Eles eram pinguins, tubarões brancos, peixes trombeteiros, polvos, raias, moreias e tantos, tantos outros animais aquáticos, selvagens, voadores e terrestres que era preciso quase um caderno inteiro, para apontarem com exactidão o monte de coisas bonitas que nesse dia, tiveram oportunidade de ver e de apreciar!
Para que o cansaço não atacasse antes do previsto, lá se iam fazendo umas pausas aqui, ali e mais além para que todas as crianças pudessem apreciar com agrado e atenção, as lindas maravilhas que a Mãe Natureza tem para oferecer a todos aqueles que estiverem dispostos a parar e a olhá-la com um pouco mais de cuidado, de amor e de carinho! E, foi nesse clima de aventura e descoberta que, lentamente todos foram percorrendo aquele espaço tão acolhedor e apreciando de vários ângulos as condições de vida marinha e não só, existentes nos diferentes oceanos que banham os quatro cantos do mundo, desta encantadora Bola Azul em que vivemos.
Mas, o entusiasmo não terminou com a saída do Oceanário, pois cá fora, aguardavam-nas o bonito rio Tejo que reflectia delicada e deliciosamente os lindos raios do Astro Rei, enquanto corria serenamente em direcção ao mar. Não muito longe dele, haviam vários locais cheios de sombras frondosas, com diversas mesas e banquinhos de pedra que convidavam a um bocadinho de repouso e a um lanchezinho ao ar livre.
Enquanto todos matavam a fome em alegres piqueniques, iam conversando com os seus respectivos professores sobre as coisas que mais os tinham impressionado e despertado o seu interesse. Conbinaram então, que quando chegassem novamente à escola, iriam fazer uma redacção sobre tudo o que haviam visto no Oceanário, a qual seria depois lida numa festa geral de fim de ano lectivo, com o objectivo de sensibilizar a todos os presentes para a necessidade de preservar a vida de todas as espécies do nosso maravilhoso planeta.
Após terminado o lanche, enquanto uns passeavam e outros brincavam, alguém descobriu um teleférico que percorria todo o espaço em volta daquele local e que acabou por fazer as delícias de miúdos e graúdos.
Como sempre acontece quando estamos muito felizes, o tempo nesse dia voou. Por isso, foi com grande surpresa que quando os professores e auxiliares começaram a reunir as crianças para o regresso, a Joaninha e o seu grupo de amiguinhas tiveram de acabar com o seu jogo de imitação de animais marinhos de que tanto estavam a gostar.
Depois de estarem novamente todos juntos, entraram noutro autocarro que os levou novamente em direcção ao aeroporto, onde embarcaram noutra aeronavve para fazerem a viagem de regresso. Já  a bordo do avião, as crianças foram brindadas com umas saborosas pipocas e umas apetitosas miniaturas de bolos que tão deliciosamente lhes souberam.
Quando ao fim desse dia, voltaram novamente ao portão da escola, os pais e amigos lá estavam à sua espera, ansiosos para escutarem o monte de novidades que eles traziam para contar-lhes. Foi entre beijos e abraços de satisfação, que a Joaninha e os restantes colegas foram recebidos por aqueles que tão ansiosamente os aguardavam.
Depois das despedidas da praxe, lá foram cada qual para as suas casas, com muitas coisas novas para conversarem e com a certeza de que aquele dia inesquecível, iria ficar por muitos e longos anos gravado numa das folhas mais bonitas do álbum de recordações da vida de cada um deles!



Sónia Queirós

terça-feira, 1 de novembro de 2011

O Caminho Seguro do Amor!

Os tempos iam difíceis! Maria era uma jovem casada, mãe de uma pequenina de dois anos que embora encantadora, tinha tido logo desde os primeiros meses de nascida, algumas complicações sérias de saúde!
Como é natural, sendo aquela a primeira filha, por vezes surgiram alturas em que o desalento e as aflições se tornavam tão difíceis de suportar para a jovem mãe, que as lágrimas lhe pareciam ser o seu único alívio. Mas, os problemas de saúde da pequenita nem sequer eram tudo, pois a eles juntava-se também, o facto de quase todos os dias, o marido voltar aborrecido do trabalho para casa. E, umas vezes por umas razões, outras por outras, era difícil existir um momento em que o senhor Filipe tivesse paciência para cuidar da filhinha e dedicar um pouco de atenção à esposa.
Apesar de Maria fazer todos os esforços para descobrir a tão desejada felicidade conjugal, muitas vezes para sua grande tristeza, a sorte parecia não estar do seu lado. Em certas alturas, ele dizia-lhe que os culpados dos problemas dele eram os patrões, por causa das más condições de trabalho em que o “obrigavam” a desempenhar a sua profissão e que era por isso que andava sempre nervoso e fazia tantos disparates.
Como era uma pessoa de grande bondade, dotada de uma coragem e de uma fé que pareciam ser à prova de qualquer azar, Maria lá se esforçava por o compreender uma vez mais e, com o coração a transbordar-lhe de vida e esperança, fazia todos os possíveis, para dignificar o seu casamento! Aliás, de tal maneira queria ser bem sucedida nos seus planos, que sempre que escrevia cartas aos pais, dizia-lhes para não os fazer sofrer ainda mais, que era muito feliz.
Mas, houve um dia em que tudo desmoronou na vida de Maria! Logo que o marido chegou a casa, ela reparou que ele trazia cara “de poucos amigos” e que vinha muito zangado do trabalho. Embora não gostasse nada do que via, fez um esforço e lá foi como de costume, dar-lhe um beijinho de boas-vindas.
Com muita calma e paciência, reuniu todas as suas forças da melhor maneira que sabia e tentou que o marido lhe contasse o que se tinha passado no trabalho dele, para ele ter chegado a casa assim tão revoltado. Em poucas palavras, ele respondeu-lhe com modos bruscos e num tom de voz bastante alterado:
- Hoje discuti com um colega e acabei por o agredir. Ele garantiu-me que vai apresentar uma queixa contra mim e que isto não vai cair no esquecimento...
- O quê? E agora, o que é que pensas fazer, para tentar resolver esse problema da melhor maneira possível?
- Nada, não vou fazer nada. Então ele que apresente a tal queixa e depois há-de ver-se... E já teve muita sorte por outros colegas nos terem vindo separar...
Como se tivesse uma voz dentro do coração a segredar-lhe certas ideias, a jovem mãe foi ao berço buscar a pequenina que entretanto tinha começado a chorar e procurou acalmá-la da melhor maneira que sabia. A pouco-e-pouco, a bebé foi ficando sossegada e a tranquilidade foi regressando àquela casa, enquanto que lentamente, o tom das conversas ia voltando à naturalidade do costume.
Algumas semanas mais tarde, chegou uma carta importante do tribunal para o senhor Filipe. As notícias não eram nada animadoras e, como já era habitual, regressou ao mau-humor e azedume que o costumavam caracterizar, sempre que as coisas não lhe corriam de feição.
Após ter meditado longamente em tudo o que estava a acontecer-lhe, voltou-se para a esposa e disse-lhe:
- Maria, tomei uma decisão. Começa a preparar as coisas, pois no fim deste mês vamos deixar este maldito lugar e regressaremos à cidade onde vivem os nossos pais. Amanhã sem falta, vou dizer isso mesmo aos meus patrões e depois veremos...
- O quê? Tu ficaste doido? Então vamo-nos embora assim sem mais nem para quê?
- Maria não discutas comigo, não me faças perder a paciência! Já sabes muito bem que quando digo alguma coisa é para se cumprir...
- Mas tu nem emprego tens e indo para lá, vamos viver de quê? E aonde é que iremos morar?
- Depois vê-se, berrou-lhe com impaciência. No fim do mês saímos daqui e não se fala mais nesse assunto, fiz-me entender ou não?
A jovem não respondeu. Baixou os olhos e afastou-se para longe do marido, não fosse às vezes dar-se o caso de, ele começar a implicar por outra coisa qualquer e dar-lhe uma ou duas bofetadas, como já antes tinha acontecido...
Entre lágrimas e orações, com a bebé encostada ao peito, ia tentando encontrar uma resposta para tudo o que estava a acontecer-lhe, pois realmente, ela nem sabia muito bem o que havia de pensar de toda aquela situação. Mas, como já tinha compreendido que o marido era uma pessoa com um feitio difícil, achou melhor não argumentar mais e resolveu começar então a fazer os preparativos para a partida.
Nas semanas seguintes, o senhor Filipe tratou de pôr um anúncio no jornal para alugar aquela casa, vendeu as mobílias, os escassos electrodomésticos e outros bens que possuíam. Depois, escreveu às respectivas famílias para as informar da sua decisão e para ver se podiam ficar a viver na casa dos pais dele ou da esposa, até terem um sítio condigno para se instalarem.
Quando chegou o dia da partida, muitas vizinhas e amigas abraçaram Maria ternamente e garantiram-lhe que jamais a iriam esquecer a ela e à sua bébé. A seguir, pediram-lhe entre lágrimas que lhes escrevesse de vez em quando e, que se alguma vez ela voltasse àquela cidade, não deixasse de as ir visitar!
Como era uma pessoa bastante sensível, Maria ficou imensamente comovida com todas aquelas manifestações de apreço e carinho, pois ao longo dos três anos em que ali havia morado, tinha feito bonitas e sólidas amizades. Por isso, sem perder de vista os ponteiros do relógio, ia distribuindo como podia, abraços, beijos e palavras de alento e gratidão a todos os que a rodeavam.
Poucas semanas depois de ter regressado ao local onde nascera, começou a procurar um emprego, pois tinha uma filhinha pequena para criar. Para começar, dirigiu-se àquele que tinha sido o seu antigo local de trabalho, mas aí foi informada de que naquela altura, não havia lá lugar para ela. No entanto, prometeram-lhe que logo que houvesse uma vaga, não se esqueceriam dela e que a chamariam novamente.
Maria agradeceu e saiu decidida a não baixar os braços! Assim, sem nunca perder as esperanças, lá foi batendo a uma porta e a outra, até que ao cabo de algumas tentativas, conseguiu arranjar uma ocupação que lhe permitia ganhar um pequeno salário.
Ora uns meses depois de ter ido ao seu antigo local de trabalho, recebeu uma carta de lá, na qual era convocada para ir a uma entrevista, tal como lhe haviam prometido. Maria ficou radiante de alegria e, nessa noite ao dizer as suas orações, agradeceu muito a Deus-Pai pela nova oportunidade que acabava de ser-lhe concedida.
Aos poucos, as condições monetárias da jovem mãe tornaram-se mais animadoras. E certo dia, uma colega de trabalho falou-lhe de uma empresa de grande renome que estava a recrutar profissionais jovens para os seus quadros.
Como tinha consciência de que era uma boa profissional no seu ramo, Maria seguiu o conselho da colega e inscreveu-se para ir a uma entrevista. Poucos dias mais tarde, foi chamada como tinha previsto.
Ao princípio, tudo correu lindamente! A entrevistadora era uma pessoa muito simpática e de modos bastante afáveis, o que fez com que a jovem profissional se sentisse à-vontade para responder a todas as perguntas que ela lhe colocava. Mas, a certa altura da reunião, surgiu um imprevisto no qual Maria não havia pensado.
Com toda a calma, a entrevistadora disse-lhe em determinado momento:
- Pois muito bem, a senhora parece-me ser uma óptima profissional e considero que tem perfil para vir a trabalhar connosco. Mas, temos aqui um problema um tanto delicado para resolver. E mantendo sempre a afabilidade na voz, continuou:
- Creio que a senhora está grávida, não é assim?
- Sim, é realmente como diz, respondeu Maria de maneira solícita. Estou grávida de quase dois meses, mas qual a razão por que pergunta?
- Ora bem, pergunto porque a nossa empresa não admite mulheres grávidas e portanto, se quiser vir trabalhar connosco, terá de arranjar uma maneira de “livrar-se” desse problema.
Maria olhou-a profundamente nos olhos e perguntou calmamente:
- Deseja saber mais alguma coisa acerca das minhas competências profissionais?
- Não senhora Dona Maria, creio que por agora já tenho todos os elementos de que necessito.
- Então se me dá licença... A jovem ergueu-se respeitosamente, pegou nas suas coisas e saiu sem dizer mais uma palavra que fosse.
Os dias que se seguiram não foram nada fáceis para Maria. Embora não tivesse contado nada a ninguém do que se tinha passado naquela entrevista, desde aquele momento em diante, ela passou a viver num profundo dilema interior! Nas suas orações pedia fervorosamente a Nossa Senhora que a ajudasse, pois apesar de o dinheiro lhe fazer muita falta, uma vez que habitava com o marido num pequeno barraco sem as mínimas condições de higiene, conforto e bem-estar, não queria de maneira nenhuma fazer uma asneira da qual viesse a arrepender-se para o resto da vida!
Duas semanas depois daquele encontro, tomou uma decisão! Passando a mão ternamente pela sua barriga, que aos poucos, ia ficando cada vez mais visível e arredondada, disse muito baixinho para o bebé que nela trazia:
- Meu querido filho ou filha, bem sei que ainda és muito pequenino, mas quero que saibas que já te amo com todo o meu coração e que não há nada no mundo, nem ninguém que me faça mudar de ideias! Fica tranquila, que vou proteger-te e amar-te ao longo de todos os dias da minha vida e prometo que hei-de fazer por ti, tudo o que tenho feito pela tua irmãzinha!
Nessa noite ao jantar, muito embora não soubesse explicar bem porquê, o senhor Filipe achou que os olhos da esposa tinham um brilho e uma vivacidade ainda mais belos do que era costume. No rosto dela havia uma encantadora expressão de ternura e ele, sensibilizado pela delicadeza dos seus modos, a certa altura ajoelhou-se diante dela e beijando-lhe as mãos, pediu-lhe perdão por todas as vezes em que a tinha feito sofrer sem ela o merecer.
- Luz da minha vida, eu amo-te muito e estou certa de que Deus há-de ajudar-nos. Claro que temos de ser optimistas e acreditar que seremos capazes de melhorar o nosso futuro, o da nossa filhinha e o da criança que trago no ventre.
Quando começaram a soprar os primeiros ventos de Outono, Maria deu à luz uma linda bebé de faces muito rosadas e com uns olhos brilhantes e vivos como os do pai! De regresso à sua habitação humilde, enquanto contemplava o rosto do anjo que dormia tranquilamente no seu berço, lembrou-se de repente, daquela altura em que tinha ido à entrevista para o novo emprego e por momentos, uma nuvem ensombrou-lhe o semblante.
Mas, alguns segundos depois, recordou-se da altura em que tinha pedido auxílio a Nossa Senhora e um novo brilho surgiu no seu olhar! Fixou então longamente, a bonita imagem da Rainha do Céu que tinha em cima da sua cómoda e por instantes, teve a nítida impressão de sentir que Ela lhe sorria!
Com o coração a transbordar-lhe de alegria e gratidão, agradeceu comovida a Deus pelo facto de lhe ter concedido ser mãe de uma bebé tão bonita. A seguir, no silêncio do seu coração, falou-Lhe da satisfação que sentia por nos útimos meses, o marido se haver tornado mais compreensivo para ela e para a filhinha de três anos.
Por fim, deu-Lhe ainda muitas graças, por nas horas de maior desespero e aflição, sempre a ter incentivado a percorrer o caminho seguro do amor!


Sónia queirós.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Míriam, a Enviada do Céu



O dia tinha amanhecido enevoado. Cláudia caminhava em companhia de Filipa, a sua melhor amiga em direcção à escola, enquanto conversavam animadamente sobre uma das suas séries preferidas de televisão. De quando em quando, Cláudia alongava a vista pelos céus da cidade onde morava, pois gostava imenso de ver as gaivotas a planarem imponentes bem lá no alto dos ares.
Claro que os sons emitidos por elas não a deixavam indiferente e muitas vezes, ficava a pensar para si mesma: “ai, como eu gostava de poder ser amiga de uma gaivota..., oh, que bom havia de ser se pudesse conversar com ela sobre os segredos dos mares e dos ares, partilharmos coisas que seriam só nossas e me deixasse fazer-lhe muitas festinhas, pelas suas lindas penas longas e delicadas”! Noutras alturas, punha-se a tentar imaginar quais os sítios por onde elas voariam para além daquela cidade e como seriam as outras paragens, gentes e culturas por si conhecidas. Será que falavam com muitos marinheiros? E se isso acontecesse, sobre que género de histórias e aventuras conversariam? E os pescadores, eram amigos delas e de vez em quando atiravam-lhes um ou dois peixinhos com generosidade, ou pelo contrário, assim que as viam logo tratavam cheios de avareza, de as enchotar dali?
Ora numa das praças por onde as pequenas costumavam passar quase todos os dias, haviam alguns bancos de jardim de madeira e uma série de árvores muito altas que na Primavera, se cobriam de lindas flores coloridas de mil tons, formas e feitios que espalhavam em seu redor fragâncias maravilhosas. A delimitar certas partes dessa praça, existiam também, uns belos canteiros com pequenas florinhas de espécies variadas, o que tornava aquele lugar um sítio ainda mais calmo e agradável. Mas, aquilo de que ambas realmente mais gostavam, era de verem com bastante frequência, avós que por lá passeavam com os seus netinhos e netinhas pela mão e muitas pombinhas que comiam milho que tanto miúdos como graúdos, lhes atiravam às mãos-cheias para o chão. Outras vezes, eram casais de namorados que enquanto conversavam calmamente sentados nos bancos, chamavam as pombinhas e lhes estendiam a mão em concha, a abarrotar de grãos-de-milho acabadinhos de sair do saco.
Certa tarde porém, quando regressava da escola, Cláudia reparou numa coisa que ao princípio lhe pareceu um pouco estranha. Por isso, parou por uns minutos, a olhar cheia de curiosidade, para uma gaivota que, juntamente com as pombas, debicava tranquilamente grãos-de-milho e bocadinhos de pão espalhados pelo chão.
Durante algum tempo deixou-se ficar por ali, a observar muito interessada a maneira como a gaivota se comportava. Na verdade, ela sentia uma profunda admiração por elas e ao olhar para aquela imagem tão bonita, logo lhe veio ao pensamento a ideia de como adoraria poder um dia, tornar-se amiga de uma delas.
Como também gostava imenso de deitar milho às pombinhas, tirou a mochila das costas e pôs-se a olhar para o seu interior. Em poucos segundos viu o que queria. Tirou prontamente um pequeno saquinho de tecido florido onde costumava levar o lanche para a escola e reparou que no fundo dele, ainda haviam num pequeno saco de plástico transparente que ali guardava, alguns grãos-de-milho, embora já não fossem lá muitos.
Depois, resolveu sentar-se um bocadinho num dos bancos ali próximos e a seguir, tentou arranjar uma maneira de atrair como podia a atenção da gaivota. Ao princípio, a bonita ave parecia nem reparar nela e na maneira insistente como a chamava, mas aos poucos, ergueu a cabeça e olhou em sua direcção. Alguns segundos depois, muito de mansinho, pata-ante-pata, assim como quem está a ganhar confiança, lá se foi aproximando devagarinho da mão que Cláudia lhe estendia , repleta de doirados grãozinhos.
Quando a ave chegou muito pertinho dela, por instantes a menina susteve um pouco a respiração e com o coração a bater-lhe com força dentro do peito, pensou: “ena, que grande bico que ela tem. E se me dá uma bicada ao pegar nos grãos-de-milho?” Mas ganhou coragem, manteve-se firme e não retirou rapidamente a mão, nem atirou com os grãos-de-milho para longe para se afastar, pois isso seria desperdiçar uma oportunidade única de realizar um dos seus grandes desejos...
A surpresa de Cláudia não poderia ter sido maior. A gaivota era de uma ternura encantadora e aproximando o bico da sua mão, pegava devagarinho em três ou quatro grãozinhos de cada vez, mastigava-os, engolia-os e a seguir repetia a operação. A menina olhava-a encantada e aos poucos foi-se sentindo cada vez mais confiante. Por isso, estendeu devagarinho a outra mão e passou-a muito ao de leve pelas penas branco-acinzentadas do seu dorso.
Quando a mão da menina ficou vazia, a gaivota olhou-a ternamente nos olhos assim como se quisesse dizer-lhe obrigada, aceitou uma última festinha e depois caminhou para um sítio um pouco mais afastado. A seguir, estendeu as suas asas portentosas, agitou-as com a força necessária e ergueu-se rapidamente no céu.
Desejosa de saber o que ia acontecer, Cláudia seguiu-a com o olhar e viu-a dirigir-se para o beiral de uma casa que ficava ali perto. Depois de lá se ter instalado confortavelmente, a ave olhou novamente para a menina e agitou suavemente as suas asas imponentes. Sem saber muito bem porquê, Cláudia levantou a mão direita e fez-lhe um aceno de despedida. Depois, com muita calma e o coração a transbordar-lhe de alegria, guardou novamente os sacos na mochila, fechou-a, levantou-se e retomou calmamente o caminho de casa.
Cláudia mal pôde esperar pela manhã seguinte, para contar a Filipa, a sua aventura da tarde anterior e assim que puseram os pés no passeio da praça, logo começaram as duas a olharem atentamente para o beiral de uma certa casa, em busca de uma gaivota conhecida. Mas, para grande tristeza de ambas, àquela hora da manhã, ela não andava por ali… Talvez não tivesse de levantar-se cedo como elas ou então, poderia ter ido até perto dos barcos de pesca, para ver se conseguia alguma coisa fresquinha para o pequeno-almoço daquele dia.
Contudo, nessa tarde ao regressarem da escola, as pequenas tiveram uma agradável surpresa. Tal como havia acontecido no dia anterior, a gaivota lá estava novamente, no meio de muitas pombinhas que arrulhavam calmamente, enquanto iam debicando aqui, ali e além, grãozinhos-de-milho e bocadinhos de pão espalhados pelo chão. Assim que se aproximaram daquele local, Cláudia reconheceu de imediato a gaivota que tinha alimentado antes. Por isso, procurou um banco ali pertinho, sentou-se com calma e depois abriu a mochila como tinha feito na primeira vez. Filipa seguiu-lhe o exemplo e abriu também a sua mochila, para ver se ainda lhe tinha sobrado alguma coisa do lanche.
Entretanto, a julgar pela maneira como logo aos primeiros chamamentos, a ave olhou na direcção das pequenas e principalmente para Cláudia, ela depressa percebeu que a sua nova protegida a tinha reconhecido também. Por essa razão, dessa vez, a ave não demorou muito a ir ao encontro dela!
A menina ficou tão contente, que num ápice, retirou do fundo da mochila uma surpresa que tinha trazido para ela. Assim, perante o olhar atento da gaivota e de Filipa, Cláudia pegou num pequeno embrulho feito com papel de chumbo e desdobrou-o. Depois, estendeu à sua nova amiga uma sanduíche de atum muito fresquinha, que ela a julgar pelo seu ar, comeu com imensa satisfação!
Na manhã seguinte quando passaram pela praça, mal olharam para o beiral da casa onde a gaivota tinha ido pousar da primeira vez ao despedir-se de Cláudia, logo a viram sem nenhuma dificuldade. Mas a ave também estava muito atenta, pois ao reparar que as pequenas olhavam para ela, apressou-se a emitir uns sonoros huá, huá, huá, que não passavam despercebidos a ninguém! Aliás, se fosse fácil compreender o pensamento de uma gaivota, quase poderia dizer-se que ela já estava no seu posto de vigia, muito atenta para ver quando as pequenas por ali passariam e que ao avistá-las, as saudou com um amistoso e expressivo bom-dia!
Mal elas se aproximaram dessa casa, repararam que a ave estendeu as suas asas e levantou voo. Pensando que se ia embora, as pequenas retomaram o caminho da escola, um tanto desiludidas! Mas, qual não foi o seu espanto quando alguns passos mais adiante, viram que a sua nova amiga as acompanhava sempre muito atenta, bem lá no alto dos céus!
Quando chegaram ao portão da escola, acenaram-lhe ambas de mãos bem erguidas no ar. A gaivota fez então um grande círculo no alto do céu e depois de emitir uns quantos huá, huá, huá de despedida, foi procurar um bom local para a sua aterrisagem. E, para grande alegria de ambas, perceberam que ela o tinha descoberto, numa das torres muito altas de uma igreja que ficava ali perto.
À saída das aulas, depois de terem percorrido uns quantos metros, as meninas passaram perto da igreja e ao olharem para uma certa torre, avistaram de imediato, a sua nova companheira das alturas. E, quando chegaram ao banquinho de jardim da praça, logo a gaivota se apressou a descer em voo planado lá do alto e a aterrar muito pertinho das duas meninas. A seguir, ecebeu de presente, duas suculentas e fresquinhas sanduíches de atum!
As semanas foram-se passando e a amizade foi crescendo entre as três amigas. Todos os dias, a gaivota as acompanhava sempre na ida e no regresso da escola. Mas, numa tarde em que ambas regressavam a casa muito satisfeitas, algo de imprevisto aconteceu!
Ao passarem numa rua menos movimentada, um grupo de seis rapazes mais velhos aproximou-se das pequenas, rodeou-as e depois exigiu-lhes que lhes entregassem os telemóveis, as carteiras e os relógios. Entre aflitas e desesperadas começaram ambas a gritar por socorro. Foi quando um dos rapazes tapou a boca de Cláudia e lhe deu um valente puxão de cabelos, enquanto lhe dizia:
- Cala-te sua grande estúpida, ou queres apanhar a sério no focinho?
Entretanto a sorte de Filipa também não era melhor, pois um dos outros do grupo com mau aspecto, apontou-lhe uma faca e enquanto lhe apertava o braço com força, recomendou-lhe que entregasse tudo sem dar um pio...
Banhada em lágrimas Cláudia entregou os seus pertences e Filipa fez o mesmo. Mas, quando o grupo já se preparava para se afastar dali, algo de surpreendente para eles sucedeu. De repente, surgiu vinda lá do alto dos céus, uma gaivota que soltando uns huá, huá, huá assustadores, mergulhou sobre eles em voo picado e que se atirou com bicadas impiedosas ao rapaz que tinha puxado os cabelos de Cláudia. A seguir, ainda ele não estava refeito do susto, nem das dores e já a imponente ave investia com igual fúria, no outro que tinha maltratado à Filipa.
Com a determinação de um general que quer preservar a vida dos seus homens, ergueu-se novamente no ar, ganhou altura e depois procedeu a um segundo ataque fulminante. Dessa vez, atingiu um terceiro que estava boquiaberto de pasmo com tudo aquilo e depois dirigiu-se veloz como uma flecha na direcção do quarto. Os outros dois não quiseram saber de mais nada.
Cláudia e Filipa perceberam logo o que estava a passar-se e sentiram-se muito felizes, por a sua amiga as ter defendido naquele momento difícil.
Quanto aos jovens malfeitores, ffugiram dali o mais depressa que as pernas lhes permitiram, pois com os braços e as costas em sangue, completamente apavorados, atiraram com tudo para o chão e nem quiseram saber de mais nada! Mas isso num primeiro momento não lhes serviu de muito, porque depois daquela gaivota vieram outras e os gritos deles ainda se ouviam claramente, apesar de já estarem bem afastados daquele local...

Passado um bocadinho, a inteligente ave foi ter com as duas meninas ao ponto de encontro habitual. Mas dessa vez, depois de comer as suas sanduíches, teve direito a um tratamento especial.
Cláudia olhou-a cheia de gratidão e pegou-lhe ao colo com muito carinho. Filipa por sua vez, também a cobria de atenções e mimos.
Decidiram então ambas de comum acordo, que deviam dar um nome à sua corajosa amiga e protectora. A escolha não era nada fácil, mas depois de umas quantas tentativas chegaram a um acordo.
Como a gaivota esperava sempre por elas na torre da igreja que ficava perto lá da escola, resolveram chamar-lhe Miriam, já que esse era o nome de Nossa Senhora, a protectora das crianças como lhes tinha dito a sua catequista.
Fitando-a então com imensa ternura, enquanto lhe acariciava as penas aveludadas, Cláudia disse à valente gaivota:
- De hoje em diante, nossa querida amiga, vais chamar-te Míriam. Sim, tu serás sempre para nós, a nossa doce e corajosa Miriam, a enviada do céu!


Sónia Queirós

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Dois amigos fenomenais!

Sem dúvida que a amizade entre o Homem e os animais, é um sentimento que nos deslumbra e encanta, já desde as mais remotas civilizações começou por conquistar o cavalo, depois vieram os felinos em seguida os falcões e as águias, andando bastante a par com estes a cativante amizade entre nós e os cães!



Os graus de estima, de partilha e em muitos casos até mesmo de entreajuda, são tantos quantos as raças destes últimos e, porque asa coisas bonitas devem ser cultivadas aqui fica o meu tributo e respeito, a todos os que como eu prezam e estimam a amizade entre Homem e animal.

Sónia Queirós.

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Um Sonho de Carnaval!








Havia já alguns dias, que Andreia contemplava com um lindo brilho no olhar, a montra da papelaria que ficava perto de sua casa, pois como o Carnaval já se aproximava, a Dona Gertrudes tinha-a enfeitado com muitos pacotes de fitas coloridas, máscaras das formas mais diversas, pistolas de água, varinhas de condão, e de todo um mundo de mil coisas, que tanto faziam sonhar a sua imaginação.
Cada vez que chegava àquele local, não podia deixar de reduzir o passo e quase sempre acabava por ali parar, nem que fosse só por um bocadinho. De entre tudo o que lá havia, o que mais admirava era uma belíssima fantasia de rainha, onde nem sequer faltavam o ceptro e a magnífica coroa dourada!
Ai, como o coração de Andreia lhe batia com força dentro do peito, ao imaginar que, se a mãe pudesse, talvez lhe oferecesse aquela fantasia para usar no Carnaval, como ela tanto gostaria!
Claro que a menina bem sabia que as coisas lá em casa não andavam muito bem no que dizia respeito às finanças da família, mas ainda assim, resolveu tentar falar com a mãe para ver o que ela iria dizer ao seu pedido.
Nesse dia à noite, quando a mãe voltou do trabalho, Andreia foi dar-lhe um beijinho como de costume e preparou-se para a ajudar a fazer o jantar para o pai e para o irmão mais velho, que daí a pouco tempo deveriam estar a chegar também.
Enquanto ia descascando umas batatas e ralando umas cenouras para a sopa, conseguiu ganhar coragem e falou à mãe sobre a linda fantasia que estava à venda na papelaria da Dona Gertrudes e de que ela tanto gostava.
A mãe, como sempre, escutou-a com toda a atenção e carinho e depois disse com um tom de certa tristeza na voz:
- Sabes minha filha, as coisas cá em casa não vão lá muito bem... O patrão do paizinho anda um bocado aflito com uns problemas que têm acontecido lá na empresa, mas em todo o caso, eu vou falar com o pai e depois tu pedes-lhe também, e se ele concordar... se a Dona gertrudes nos fizer uma atençãozinha no preço dessa fantasia, vamos lá a ver o que se pode arranjar...
Andreia ficou radiante com a resposta da mãe, pois bem sabia, o quanto ela se esforçava por tentar agradar a todos os membros da família e o quanto ela gostava de ver toda a gente satisfeita. Foi por essa razão que, mesmo ainda sem ela lhe ter dado a tão desejada prenda, a menina bateu as palmas de contente e deu um beijo no rosto da mãe em sinal de agradecimento.
Quando daí a algum tempo chegaram o pai e o irmão, Andreia tratou de pôr a mesa e ao jantar, apresentou ao pai já com um pouco mais de coragem e entusiasmo, o mesmo pedido que um bocadinho antes tinha feito à mãe.
Este olhou para a mãe que lhe acenou afirmativamente com a cabeça, e disse então à filhinha:
- Olha Andreia, como tu te tens portado bem e és aplicada na escola, no próximo Sábado a mãezinha vai então contigo à papelaria para saber o preço dessa fantasia e depois, se não fôr muito cara, ela compra-a para ti, está bem?
- Claro que sim e muito obrigada paizinho. A resposta da menina, o brilho do seu olhar e o luminoso sorriso que lhe aflorou aos lábios, evidenciavam claramente a imensa satisfação que sentia naquele momento!
Nessa noite, depois de deitar-se e adormecer teve um sonho muito bonito, no qual andou ainda a pensar durante os dias que faltavam até chegar o tão ansiado dia de Carnaval.
De repente, Andreia viu-se a passear num bosque muito frondoso e soalheiro, onde inúmeros passarinhos cantavam cheios de entusiasmo, deliciosas melodias. Ao longe, Andreia ouviu o som de águas correndo em grande quantidade, como se estivesse perto de um rio. Caminhou então em direcção ao lugar de onde vinha o som e depois de dar alguns passos nesse sentido, avistou ao longe uma clareira e apercebeu-se de que devia ali estar uma grande fonte de água límpida e cristalina, ou talvez fosse uma queda-de-água onde as águas corressem velozmente...
Como sentia grande curiosidade em ver o que era aquilo e o que estaria naquele local, apressou o passo para chegar mais depressa ao lugar que tanto lhe chamava a atenção. Mal entrou na clareira os seus olhos foram inundados de luz, de uma luz forte e brilhante, que ao princípio lhe fez pestanejar os olhos durante uns segundos. Depois acostumou-se e viu então uma linda fonte de água pura e cristalina, da qual brotavam sete jorros de água, que impelidos pelo vento suave, ora se entrechocavam ora caíam em direcções opostas numa grande superfície branca e ligeiramente ondulada.
Enquanto olhava fascinada para aquele maravilhoso cenário, apercebeu-se de súbito, de uma espécie de som de relâmpago que se fez ouvir por todo o local. Fitou o céu de imediato e, verificou então com espanto, que aquele estava límpido e sem nuvem alguma.
Observou então com mais atenção e correndo os olhos por todo o perímetro da fonte, avistou uma pequena capelinha, de onde uma linda Senhora a fitava cheia de terna doçura no olhar. Por alguma razão que não sabia explicar,  a menina sentiu-se logo presa pelo encanto daquela Senhora que lhe sorria com maternal bondade.
Adriana ouviu então uma voz muito suave que lhe disse:
- Minha filha querida, conduzi-te até aqui, porque há uma coisa muito importante que preciso de dizer-te e da qual jamais deves esquecer-te.
Adriana respondeu então numa voz cheia de solícita humildade:
- Pois não minha senhora, em que posso ser-lhe útil?
A amável Senhora falou então da seguinte maneira:
- Minha Filha, sei que queres muito ter aquela fantasia de rainha que viste na montra da papelaria, e desde já te digo que os teus pais vão poder oferecer-ta. Mas olha, procura sempre lembrar-te que qualquer rainha da Terra, deve procurar criar e desenvolver continuamente entre os seus súbditos, três valores fundamentais: em primeiro lugar, o amor a Deus e ao Próximo como a si mesmos, acima de todas as coisas; em seguida, esforçar-se por gerar e apoiar as condições de respeito, justiça e igualdade para que floresçam sempre a paz e a concórdia entre os Homens, como a mais bela de todas as flores; por fim, é fundamental que jamais se deixe vencer pelas tentações da vaidade, do egoísmo, da inveja e da maldade para não desiludir os seus súbditos e ser verdadeiramente amada por todos. Só agindo desse modo, ela reinará sempre no coração deles, rodeada de carinhosa ternura, estima e dignidade e poderá contar com o esforço e coragem de muitos para promoverem o desenvolvimento do reino que lhe foi confiado.
Adriana despertou então, pois sentiu que a mãe lhe afagava ternamente os cabelos e que já a chamava para que se arranjasse para ir para a escola. Mas, guardou bem no fundo do seu coração, as lindas palavras daquela Senhora, que a julgar pela sua Excelsa Beleza e Encantadora figura não podia ser outra senão a Rainha dos Anjos e dos Santos, de quem tantas vezes tinha ouvido falar nas suas aulas de catequese e que em sonhos a tinha vindo visitar e tão sabiamente aconselhar!



Sónia Queirós.

domingo, 21 de agosto de 2011

O Sonho Secreto!!






O ambiente era de grande festa e alegria. Sentado numa das cadeiras do anfiteatro do novo estabelecimento de ensino onde era professor, junto de outros colegas também docentes, Louis ouvia com imensa satisfação as ruidosas chuvas de aplausos que ecoavam por toda a sala, aquando do fim de cada número artístico apresentado. Num envolvente clima de cor e magia, professores e alunos colaboravam para mostrar perante um público atento e curioso, as maravilhas que o talento, a boa-vontade e o empenho comum conseguem alcançar.
À medida que os ponteiros do relógio iam avançando no seu caminho, traziam consigo momentos de poesia, de música, de teatro e de ginástica realizados na sua grande maioria, por crianças e jovens cegos ou com baixa visão. De facto, a alegria, o talento e a capacidade de todos aqueles artistas desconhecidos, eram nada mais, nada menos do que surpreendentes!
Como era natural, tudo havia sido preparado com todo o esmero e atenção até ao mais pequeno pormenor! No ar sentia-se um grande desejo de que nada falhasse, pois ali estavam inúmeras horas de ensaios e de testes, de ajustes e reajustes. Além disso, naquela sessão solene de inauguração, encontravam-se presentes algumas das figuras mais ilustres da sociedade francesa, como era o caso de políticos, diplomatas, escritores e jornalistas, médicos e arquitectos.
A festa estava a correr lindamente e tudo a acontecer segundo os planos previstos, o que deixava o professor Louis muitíssimo satisfeito. No entanto, desde o momento em que um jovem músico que era seu aluno, começou a tocar o piano, algo de estranho sucedeu com ele. Sem que soubesse muito bem porquê, logo ao soar das primeiras notas da melodia, Louis sentiu-se transportado para muito longe daquele sítio.
Subitamente, reviu-se como criança e lembrou-se de alguns dos momentos mais dolorosos pelos quais havia passado na infância quando devido a um acidente, tinha perdido a visão. Com o peito apertado, recordou por instantes, a maneira como os pais tinham ficado tristes naqueles momentos de incerteza e angústia!
Contudo, para grande alívio seu, essas lembranças tristes do passado, foram rapidamente substituídas pelas da altura em que teve a alegria de conhecer o abade Paluy, na primeira vez em que ele foi a sua casa. Vieram-lhe então à memória, as muitas coisas que aprendeu com ele e os belos passeios que tantas vezes tinham dado juntos ao ar livre, pelas florestas e campos da aldeia! Mas, sobretudo, recordou com sincero apreço, o momento de grande felicidade que sentiu, quando ele o informou de que tinha conseguido convencer o novo professor da escola primária da aldeia a aceitá-lo como aluno na sua classe. Que maravilha!
Sempre que por alguma razão retornava a esses momentos felizes, até lhe parecia que ouvia novamente, as palavras de incentivo que os pais então lhe haviam dito:
- Louis, agora vais poder aprender várias coisas novas que hão-de ser muito importantes para o teu futuro. Temos a certeza de que és um menino muito inteligente e com capacidade, por isso certamente vais conseguir acompanhar as lições do senhor professor e fazer todos os exercícios que ele mandar.
Como o futuro mais tarde veio a confirmar, os pais tinham toda a razão em falar-lhe daquela maneira tão confiante, pois com o professor Antoine Becheret teve aulas sobre as mais variadas matérias e concluiu com óptimos resultados a frequência da escola primária. Na verdade, Louis sentia uma imensa gratidão por aquele homem que marcara para sempre a sua vida, ao mostrar que acreditava na importância de ensinar um menino cego, o que naquela altura era uma coisa bastante invulgar. Aliás, ainda guardava bem vivas no pensamento, as palavras que o senhor professor tinha dirigido aos meninos da classe, no seu primeiro dia de aulas:
- Não sei se vocês já se conhecem todos uns aos outros. Temos aqui connosco, um aluno que não vê e que por essa razão, vai precisar de um acompanhamento diferente do vosso. Pela minha parte, eu ficarei muito contente se todos os colegas colaborarem com o Louis, para que ele também aprenda as matérias leccionadas tal e qual como vocês. E foi o que de facto aconteceu!
Entretanto, o piano parou de tocar e o som dos aplausos encheu por completo o anfiteatro, o que fez com que o professor Louis voltasse ao momento presente. Nos seus lábios surgiu um bonito sorriso, mas lá no fundo do seu coração, nem ele sabia muito bem dizer se era devido ao êxito retumbante ali alcançado pelo seu aluno, ou se era de reconhecimento por tudo o que tinha aprendido com o seu saudoso mestre-escola.
A seguir, foi a vez de um dos alunos de um dos seus grandes amigos do Instituto, declamar uma poesia que ele próprio fizera, acerca do valor da fraternidade e da amizade. Mal começou a ouvir as primeiras palavras que melodiosamente saíam dos lábios do jovem poeta, de novo o pensamento se lhe “escapou” para bem longe dali!
Na segunda vez, as lembranças “levaram-no até um dia já muito distante, em que foi ter com o seu amigo Palluy à sacristia da igreja de Saint-Pierre, para falar-lhe sobre as suas angústias e preocupações. Contou-lhe que se sentia muito triste por não saber como iria ser o seu futuro, uma vez que não poderia aprender a profissão de correeiro do pai.
Como sempre acontecia, o abade Palluy ouviu-o com toda a atenção. A seguir, prometeu-lhe que o iria ajudar a encontrar uma maneira para resolverem os problemas dele, tarefa na qual se empenhou de alma e coração.
Alguns meses depois daquela conversa, para grande surpresa do menino, numa certa tarde pouco depois do almoço, o abade Palluy chegou a correr eufórico à arrecadação onde ele estava a cortar lenha, pois trazia uma notícia absolutamente maravilhosa para dar-lhe!
- Louis, Louis, disse-lhe ele cheio de alegria logo que o viu, tenho novidades excelentes para ti! Já arranjei uma solução para o teu problema!
- Ah, sim senhor abade e como foi que fez isso, perguntou Louis enquanto lhe apertava amavelmente a mão.
- Depois da conversa que tivemos os dois na sacristia, falei com o professor Antoine Becheret sobre as questões que me tinhas apresentado e ele informou-me de que sabia da existência de uma escola criada para crianças cegas em Paris. A seguir, fui ter com uma pessoa muito importante daqui da aldeia, o marquês “d*Orvillier”, que me disse que também já tinha ouvido falar dessa escola e consegui que por intermédio dele, tu fosses admitido como aluno no Instituto Real dos Jovens Cegos de Paris, o primeiro estabelecimento de ensino do mundo para cegos!
Ao princípio, Louis ficou boquiaberto com aquilo que ouvia da boca do seu amigo Palluy. Mas aos poucos, o seu espanto inicial foi sendo substituído por uma imensa onda de alegria interior. Sem que ele o esperasse, o abade Palluy cobriu dois troncos de madeira com uns quantos sacos de sarapilheira para lhes servirem de almofadas e, depois de estarem ambos confortavelmente instalados nas suas “poltronas improvisadas”, começou a ler-lhe uma carta recém-chegada vinda de Paris.
Quando o abade Palluy terminou a sua leitura, dobrou cuidadosamente as folhas e meteu-as no envelope, que em seguida colocou no bolso e depois disse ao pequeno:
- Agora, vamos ambos contar estas notícias maravilhosas aos teus pais, explicar-lhes que essa escola tem como principal objectivo dar uma boa instrução a crianças cegas e proporcionar-lhes uma actividade profissional útil. Ah, e pedir-lhes a sua autorização para que possas ir realmente frequentá-la, pois isso vai ser óptimo para ti!
Quando os pais de Louis souberam que o filho tinha ganho uma bolsa para ir frequentar um estabelecimento de ensino tão importante como aquele, ficaram radiantes. E, a alegria deles tornou-se ainda maior quando o sacerdote Palluy os informou de que no Instituto Real dos Jovens Cegos de Paris, Louis iria ter disciplinas para desenvolver a actividade intelectual, musical e profissional.
Depois Louis teve por momentos, a sensação de sentir novamente o abraço apertado que lhe havia dado o seu amigo incondicional, quando a meio dessa tarde se despediram já na porta da rua, enquanto lhe desejava as maiores felicidades para o novo desafio que o aguardava e lhe prometia que todos os dias, rezaria por ele junto do Santíssimo Sacramento.
Contudo, como imprevistos acontecem a qualquer pessoa e principalmente às mais distraídas, a certa altura, um dos colegas de Louis que se havia ausentado durante algum tempo da festa, interrompeu-lhe o fio dos pensamentos, ao perguntar-lhe se os alunos já tinham começado a ler as composições escritas por eles acerca do Instituto. Mas, ele estava tão entretido com as suas lembranças da infância, que lhe respondeu muito naturalmente:
- Não sei senhor abade, realmente não prestei lá grande atenção a esse facto, mas espere um bocadinho que já veremos...
O colega olhou-o espantado e pensou por momentos: Senhor abade?... Ah, isto não é normal no Louis, de certeza que está a confundir-me com outra pessoa qualquer... E, pelo sim pelo não, resolveu fazer a pergunta a um outro colega menos distraído, para evitar mais situações embaraçosas...
Entretanto, poucos segundos após este incidente, Louis apercebeu-se do seu engano e apressou-se a pedir desculpas ao colega pelo lapso cometido. Felizmente para ele, alguns minutos depois, foi anunciada a leitura das tais redacções feitas por alunos do Instituto.
A primeira aluna a subir ao palco para ler a sua composição foi Simone, uma bonita menina de longos cabelos negros ondulados. Logo desde as primeiras palavras que ouviu, Louis sentiu-se profundamente identificado com as ideias por ela ali expostas. De repente, começou a rever-se na altura em que com dez anos apenas, tinha entrado para aquele Instituto, situado na Rua “Saint-Victor, nº 68”, que naquele tempo era dirigido pelo Dr. “Sébastien Guillié”.
Avançando de lembrança em lembrança, recordou-se então de que aquele havia sido o momento em que pela primeira vez na vida, tinha tido que ficar a viver afastado da família de quem tanto gostava, rodeado por pessoas desconhecidas e num sítio totalmente novo para ele. É certo que de vez em quando, recebia cartas que lhe eram enviadas tanto pela família como por amigos, o que lhe enchia o coração de alegria e o ajudava a ultrapassar os momentos de solidão.
Mas ainda assim, nos primeiros meses as coisas não haviam sido nada fáceis e tinha sido só com o passar dos dias que se havia indo acostumado à companhia dos outros meninos e meninas que também ali estudavam... É que, o Instituto ficava muito longe de Coupvray, a aldeia onde ele nascera e por isso, só podia ir a casa na altura das férias de Natal e de Verão.
Simone prosseguia a leitura da sua composição, contando em voz suave e clara: “nas primeiras semanas depois da minha entrada no Instituto, existiram dias em que senti tantas saudades de casa que em certos momentos, as lágrimas se me tornaram difíceis de segurar. Nessas ocasiões de tristeza, se tinha oportunidade para isso, refugiava-me durante um bocadinho no dormitório e, com a minha boneca querida bem apertada contra o coração, pensava na doce ternura das palavras da minha mãe adorada!”
Confortavelmente sentado na sua cadeira da plateia, Louis ia pensando de si para consigo: Meu Deus, como o caso dela é parecido com o meu! Quantas vezes eu mesmo, chorei com o meu estojo de letras em cabedal feitas pelo meu pai, estreitado contra o peito, ao recordar as últimas palavras que ele me disse quando me deixou aqui em Paris:
- Meu filho, tens de ser forte pois espera-te uma etapa decisiva para o teu futuro! Aqui vais aprender muitas coisas novas que hão-de ser de grande utilidade para a tua vida! Mas, não te esqueças que todos gostamos imenso de ti e que estás sempre nos nossos corações! Boa sorte, meu querido filho e faz por seres um homem! Assim que chegarem as férias grandes, eu venho logo cá buscar-te para ires para junto de nós, está bem?...
Nos parágrafos seguintes do seu trabalho, Simone falava de maneira entusiasmada dos vários livros que haviam lá no Instituto, sobre assuntos muito variados, com as letras propositadamente feitas em alto relevo para serem sentidas pelos dedos. A seguir, explicava que essa tinha sido uma descoberta fantástica para ela, pois servindo-se do tacto, podia ler sozinha e à sua vontade acerca de todos os assuntos que quisesse!
Depois mencionava as aulas de música, de trabalhos manuais, os mapas feitos com materiais adequados para serem palpados, nos quais se podia identificar com todo o rigor, a localização dos rios, das montanhas e dos desertos em diferentes países.
Por fim, num último parágrafo breve, mas muito significativo, a menina agradecia ao fundador do Instituto, ao director, aos professores e aos seus benfeitores por lhe terem proporcionado a ela e a todos os outros alunos, oportunidades tão valiosas de adquirirem capacidades e talentos tão diversos.
Quando Simone acabou, uma imensa chuva de aplausos encheu por completo o salão nobre, o que fez com que o professor Louis “regressasse” novamente aquela celebração tão especial!
A festa prosseguiu com a a entrega das mençãos honrosas. A primeira pessoa a ser chamada ao palco pelo director do Instituto, o Dr. Dufau, para receber uma homenagem, foi um familiar directo do Dr. Valentin Hauy, que havia sido o nobre fundador do Instituto Real dos Jovens Cegos de Paris em 1784.
A distinção seguinte, foi entregue a um senhor de aspecto muito elegante, de nome Charles Barbier de la Serre, que era um ex-capitão do exército francês e um dos grandes benfeitores do Instituto. Segundo o que o Sr. Director leu em voz alta, ele tinha inventado um método de leitura e escrita para comunicar com os seus homens quando estavam na frente de batalha, ao qual dera o nome de “escrita nocturna” ou Sonografia, formado por traços e pontos em relevo, que podiam ser lidos sem luz e com o auxílio dos dedos.
Entre o som dos aplausos que enchiam a sala e as palavras emocionadas de agradecimento do Sr. Capitão, Louis recordou por momentos, a alegria e o interesse com que os alunos do Instituto, tinham experimentado aquele método de comunicação tão inovador. Na verdade, quase todos haviam percebido que aquele sistema, tinha vantagens que o método dos caracteres em relevo usado regularmente lá na escola não reunia, uma vez que permitia tanto a leitura, como a escrita, o que era um avanço fabuloso!
Realmente, à medida que os anos de estudo no Instituto foram passando, Louis foi começando a aperceber-se de que os livros ali usados com letras em alto relevo, permitiam a leitura, mas não a escrita, o que era uma limitação muito séria. Em relação aos mapas de estudo e às pautas musicais indispensáveis para a execução correcta dos instrumentos tocados, o problema era o mesmo, porque com o método de escrita utilizado, os alunos podiam ler facilmente as notas musicais, mas se quisessem ser eles mesmos a compor as pautas das músicas que tocavam, isso era-lhes impossível.
Outra das dificuldades experimentadas, surgia quando eram ensinados a escrever pelo seu próprio punho o seu nome completo, as letras do alfabeto e o mais que necessitassem para redigirem, por exemplo, cartas aos amigos e à família, uma vez que depois do trabalho terminado, não tinham como verificar se tudo estava bem escrito ou se precisavam de corrigir alguma coisa.
Após ter compreendido tudo isso, aos poucos Louis começou a desenvolver no seu coração um sonho secreto: desejava ardentemente, criar um sistema de leitura e escrita que permitisse a qualquer pessoa cega, ler e escrever tudo aquilo de que necessitasse de maneira independente.
Contudo, como naquela altura não dispunha nem de conhecimentos, nem de meios que lhe permitissem realizar o seu plano, não lhe restava outra solução senão a de continuar a usar o método dos caracteres em alto relevo. Mas um dia, depois de ter tomado contacto com o sistema do Capitão Barbier, aos poucos começou a achar que a realização do seu sonho iria tornar-se possível!
Realmente, ao cabo de três anos de muito trabalho e afinco, depois de incontáveis tentativas de erros e acertos, pôde finalmente mostrar ao director do Instituto onde estudava, o Dr. Pignier, a sua invenção mais recente, à qual havia dado o nome de “Processo”.
Ora, estando o amável professor profundamente embrenhado nestas gloriosas lembranças da juventude, de repente e sem que nada lho fizesse prever, começou a ter a impressão de que ouvia o seu nome a ser chamado para ir ao palco. Apanhado pelo efeito de surpresa, ao princípio nem queria acreditar no que escutava.
Mas as dúvidas dissiparam-se, quando o seu amigo e colega muito querido Michel Martins, se aproximou dele e gentilmente se ofereceu para o conduzir até lá em segurança. Já com o pé no último degrau e com o som das palmas a ecoarem-lhe nos ouvidos, ainda se perguntava acerca das razões pelas quais alguém se teria lembrado dele naquela celebração tão especial...
Entretanto, num curto instante de tempo, tudo se tornou muito claro para o professor Louis! Logo que chegou junto da tribuna de honra, aproximou-se dele o chefe de ensino do Instituto, o senhor Joseph Guadet, que lhe apertou cordialmente a mão e o conduziu até uma cadeira onde se acomodou confortavelmente. Depois deu início à leitura de um discurso formal em sua honra, o que o fez sentir-se muito elogiado e que começava da maneira seguinte:
- Caros senhores e senhoras, permitam-me que lhes diga que Paris e Coupvray estão hoje de parabéns, pois é graças ao talento e génio criativo do professor Louis Braille, que se deve a invenção do sistema de escrita e leitura aqui utilizado por todos os participantes desta festa maravilhosa. É ele o responsável pela criação deste método de comunicação, simples e eficaz, formado por pontos em relevo e pensado propositadamente para ser usado por pessoas cegas, como agora viram acontecer. Por essa e por muitas outras razões, cumpre-me pois declarar perante Vossas Excelências, que o Instituto Real dos Jovens Cegos de Paris, ficará com uma eterna dívida de gratidão para com este bondoso e insigne representante da cultura e do povo francês.
Quando o senhor Joseph Guadet terminou a leitura do discurso proferido em homenagem ao Professor Louis Braille, ele agradeceu comovido, pela menção honrosa que publicamente acabava de ser-lhe entregue! De regresso ao seu lugar, entre ruidosos vivas e calorosos apertos de mão, tanto de colegas, como de alunos, ia pensando como tinha valido a pena trabalhar com persistência e afinco, na realização do seu sonho secreto!


terça-feira, 2 de agosto de 2011

Vidas "Cãoprometidas"! 2ª parte

Continuação do post anterior.




O problema surgiu na altura em que arrumou os papéis dentro da mala, pois sem dar por isso, deixou esquecida em cima da secretária do gerente da imobiliária, a escritura que comprovava que ele era o dono da propriedade e da casa onde morava. Mas como era um homem pouco amigo de burocracias, logo que chegaram a casa, guardou a mala dos documentos no escritório e não pensou em mais nada do que tinham conversado com o Dr. Silvano naquela tarde.
Contudo alguns dias depois ao ler com atenção o conteúdo dos papeis que guardava na mala, verificou que lhe faltava a sua escritura. A aflição e ansiedade que de imediato se lhe instalaram na alma eram indizíveis!
- Meu Deus, mas aonde é que eu meti a porcaria da escritura? Oh, que sorte maldita a minha... Olha, o que me havia de acontecer! E agora, o que é que vou fazer para resolver esta chatice?
No meio do desespero e da aflição começou a atirar com tudo e acabou por perder de tal maneira a presença de espírito que entre rogos e pragas, foi sentar-se profundamente abatido no sofá.
Ao ouvir tal agitação dentro do escritório, Nancy veio logo a correr não se sabe de onde, na direcção do dono. Uma vez junto dele, colocou-lhe as patas dianteiras nos joelhos como sempre fazia em alturas de crise e olhou-o com a ternura habitual. Depois de o ter fitado durante alguns momentos enquanto abanava docemente a sua linda cauda, ele fez-lhe umas festinhas e disse-lhe:
- Não te preocupes Nancy, porque já estou a ficar mais calmo. Fica tranquila que está tudo bem... A seguir pensou melhor e corrigiu o que tinha dito antes.
- Sabes, quer dizer, dizia ele enquanto olhava para os papeis espalhados por todo o lado, não está nada bem, porque perdi um documento muito importante. Mas como não sei o que hei-de fazer para resolver o problema, continuou com a voz embargada pelas lágrimas…
Nancy não precisou de ouvir mais nada. Lambeu-lhe o rosto e as mãos ternamente e logo que o sentiu mais sossegado, tirou-lhe as patas dos joelhos e farejou longamente a mala e todos os papeis que por ali haviam completamente desordenados. No início “tomou conhecimento” dos documentos que se encontravam em cima do tampo da secretária e depois olhou atentamente para os que estavam no chão. A seguir, após ter reflectido durante uns momentos, olhou novamente para ele, foi até junto dele e agarrou-lhe a manga do polouver.
Ao princípio Toddy nem queria acreditar no comportamento de Nancy e, julgando que ela queria brincar para o distrair das suas aflições, exclamou com certa impaciência:
- Não Nancy, agora não vamos brincar! Já te disse que hoje estou muito preocupado, por isso se fazes favor, ficas aí quietinha… Dito isto, retirou-lhe a manga da boca, de maneira delicada mas firme.
Mas para grande surpresa dele, a inteligente pastora belga continuou a insistir decidida nos seus propósitos. Assim abocanhou-lhe novamente a manga e começou a puxá-lo para que se erguesse do sofá.
Após a ter fitado longamente durante algum tempo, começou a pensar de si para consigo: “será que ela quer que eu a acompanhe a algum lado?” “O que quererá ela dizer-me ao agir desta maneira tão estranha?...”
Habituado como estava, a confiar nas capacidades raras de compreensão de Nancy e também porque bem vistas as coisas, não tinha nada a perder em fazer o que ela queria, lá aceitou levantar-se e segui-la.
Em poucos minutos, Nancy percorreu o corredor central da casa e dirigiu-se para a porta da saída. Uma vez no exterior, caminhou sem hesitações para a porta da garagem e ladrou duas ou três vezes diante dela.
Absolutamente boquiaberto com o comportamento dela, Toddy perguntou-lhe:
- Queres que tire o carro, é isso?
A expressão viva no olhar de Nancy não deixava margem para dúvidas. Por isso, alguns momentos depois, já estavam ambos prestes a entrar para a rua que ficava em frente da casa onde moravam.
- E agora Nancy, vamos para a direita ou para a esquerda?
Nancy ladrou decidida duas vezes, o que queria dizer para a direita.
Sem mais hesitações Toddy ligou o pisca e quando chegou a sua vez, fez-se à estrada como a pastora belga recomendava. Por breves momentos, recordou-se das alturas em que treinavam os sinais de orientação e busca, num dos bosques próximos lá de casa.
Ao cabo de uns vinte minutos de latidos que indicavam ora para a direita, ora para a esquerda ou em frente, o perspicaz treinador começou a perceber a direcção que Nancy pretendia seguir. Alguns quilómetros mais adiante, perguntou-lhe numa voz um tanto surpreendida:
- Vamos à empresa imobiliária falar com o Dr. Silvano, é isso?
Após o ter fitado com sincera vivacidade, ladrou duas vezes e esticou-se na direcção do dono e lambeu-lhe o rosto como pôde, uma vez que o cinto de segurança que ele lhe tinha colocado logo que entraram no automóvel, lhe restringia bastante os movimentos.
- É isso Nancy, pode ser que tenhas razão! Se estiveres certa nas tuas intuições, dou-te o melhor presente da tua vida!
Quando parou o carro no parque da empresa, Toddy estava já absolutamente convencido de que era possível que o seu tão valioso documento lá tivesse ficado esquecido. Assim, ao cabo de alguns minutos de espera, estavam ambos novamente no escritório da firma, a conversar com o Dr. Silvano e Toddy informou-o dos motivos pelos quais ali se dirigiu. Mal ele acabou de falar, o Dr. Silvano disse-lhe com uma voz calma:
- Espere um minuto Sr. Toddy, porque realmente tenho uma ideia de ter visto essa escritura por aqui, mas creio que a minha secretária a encontrou e a guardou no cofre principal da firma. Só um bocadinho que eu venho já. Dito isto, ergueu-se prontamente e saiu do escritório.
Depois de uns dez minutos de espera que a Toddy mais pareceram dez horas, voltou com um ar sorridente que iluminava de forma indelével a sua fisionomia ainda jovem E exclamou:
- Ora pronto, é como eu lhe tinha dito. Aqui está a sua escritura senhor Toddy, disse ele assim que se sentou, estendendo-lhe logo o valiosíssimo documento. Peço-lhe imensa desculpa por não ter ligado logo para a sua casa a informá-lo de que a tinha deixado cá, mas só me apercebi disso no fim do trabalho quando fui colocar em ordem os papeis daquele dia. Além disso, como a Patrícia a guardou, não a voltei mais a ver e acabei por me esquecer também.
Toddy nem queria acreditar! Ali estava mesmo à frente dos seus olhos, a escritura que era tão importante para ele e da qual Nancy, (vá-se lá saber por que razões), realmente não se havia esquecido!
- Ah Dr. Silvano, não faz mal, fique tranquilo que eu compreendo perfeitamente como essas coisas são, disse delicadamente o treinador enquanto se preparava para erguer-se. Já de pé, estendeu-lhe a mão cordialmente. A seguir olhou para Nancy que ao vê-lo pôr-se de pé fez o mesmo e disse-lhe em tom afectuoso:
- Vamos Nancy, dá a pata ao Dr. Silvano, ordem a que ela obedeceu prontamente.
Com um sorriso nos lábios, o Dr. Silvano apertou-lhe delicadamente a pata dianteira direita, enquanto lhe fazia umas quantas carícias na cabeça e orelhas.
Quando saíram das instalações da empresa imobiliária, Toddy nem cabia em si de contente. De facto, essa foi mais uma das vezes em que as capacidades absolutamente raras da sua querida Nancy, lhe foram muitíssimo preciosas!
Radiante de satisfação, nessa tarde foram ambos passear no parque principal da cidade, onde Nancy pôde correr livremente por onde lhe apeteceu e no regresso a casa, comprou-lhe um sculento osso de búfalo que ela roeu com imenso agrado durante todo o caminho. Além disso, de vez em quando lembrava-se de quanto ela o tinha ajudado e como recompensa, fazia-lhe muitas festas e brincava com as suas orelhas macias.
Contudo, ao chegarem ao portão de casa algo de inesperado aconteceu. Toddy reparou num grande automóvel estacionado muito perto dele e, pensando que poderia ser um possível cliente, logo que o abriu fez sinal aos seus ocupantes para que o seguissem.
Sem que se soubesse muito bem porque razão, Nancy começou a ficar com o pêlo eriçado e parou logo de saborear o seu tão apetitoso petisco. Mal Toddy parou o carro junto da garagem, foi ao encontro deles o casal que há alguns meses atrás tinha querido adquirir Nancy.
Como era de esperar, a inteligente pastora reconheceu-os logo à entrada do portão e entre gemidos e rosnadelas, optou por se esconder por detrás das pernas do treinador.
Compreendendo perfeitamente os motivos de Nancy para se comportar daquela maneira, fez-lhe muitas festas para a tranquilizar. Depois, em tom de grande cordialidade, explicou ao casal que, por razões pessoais tinha mudado de ideias e que afinal já não iria vender aquela cadela.
Ao contrário do que ele desejava, eles não gostaram nada da ideia e ficaram tão furiosos que começaram a protestar. A certa altura, a discussão agravou-se de tal modo que o elemento masculino do casal tentou agredir Toddy com um soco na face. Nancy nem hesitou! De um salto, lançou-se-lhe com tal agilidade à mão erguida na direcção dele que o homem deu um terrível grito de dor.
- Calma Nancy, larga, larga, ordenou-lhe prontamente o treinador.
Nancy obedeceu, mas ficou a rosnar baixinho e não deixou de fitar o agressor um momento que fosse! Não confiava nada nele e bastava que fizesse um movimento em falso para que ela lhe mostrasse o quanto gostava de Toddy!
- Senhores, queiram por favor deixar a nossa casa imediatamente, pois como vêem não temos mais nada para conversar. Não me obriguem a ser desagradável convosco, disse-lhes Toddy com firmeza na voz.
Entre apavorados e desconcertados, retiraram-se ambos rapidamente, garantindo a Toddy que aquilo não iria passar impune.
Quando o portão eléctrico se fechou pela segunda vez atrás daquele casal, Toddy ajoelhou-se junto de Nancy e acariciando-lhe o focinho e as orelhas aveludadas, disse-lhe cheio de ternura:
- Muito bem Nancy! Estou muito orgulhoso de ti, continuou emquanto lhe passava carinhosamente a mão pelo dorso macio e felpudo. Acredita que não há dinheiro nenhum no mundo que possa comprar uma amizade tão valiosa como a tua! Por isso de hoje em diante, garanto-te que as nossas vidas ficarão para sempre “cãoprometidas”!
Enquanto Toddy ria do trocadilho inventado por ele naquele momento, a linda pastora belga que parecia compreender perfeitamente as suas palavras, cobria-o de delicadas e molhadas lambidelas, pois dentro do seu dedicado coração, também ela há já muitos meses lhe havia secretamente feito a mesma promessa!


Sónia Queirós