sábado, 18 de junho de 2011

O Enigmático Sonho do Cestinho!






Dona Fernanda era uma senhora que trabalhava como funcionária pública, numa repartição dos correios da cidade onde habitava. Vivia com o marido num andar considerado de luxo, uma vez que era muito bem mobilado e estava equipado com todos os electrodomésticos e tecnologias ditas essenciais para se poder ser feliz. Além disso, tinha perto de sua casa, um shoping de dimensões consideráveis, onde existiam as mais variadas lojas de produtos para todos os gostos e carteiras, um hospital central localizado a 500 metros da sua residência e da janela da sala-de-jantar, gozava de uma vista privilegiada sobre uma boa parte da cidade.
Se por uma qualquer razão, precisava de ir a algum lado, dispunha de vários meios de transporte a apenas meia dúzia de passos e para relaxar nos dias de lazer, havia não muito longe dali, um amplo jardim panorâmico com imensas árvores, flores e aves de espécies diversas.
No que dizia respeito ao relacionamento com a vizinhança, de uma forma geral era satisfatório com toda a gente, quase todos os dias. Mas as coisas mudavam de figura, quando se falava da senhora que morava no andar por cima do dela, pois aborrecia-a bastante a ideia de a Dona Brigite ter dois cães de grande porte lá em casa, que corriam o dia inteiro de um lado para o outro como se fossem dois jogadores de footsal e que por tudo e por nada, lá se punham ambos a ladrar à desgarrada!
Aquilo deixava-a com os cabelos em pé! Na verdade, ela já tinha falado com a dona Brigite uma ou outra vez, acerca dos latidos e das corridas constantes dos bichinhos e ela, garantiu-lhe que iria fazer o que pudesse para os fazer andar mais calmos. Ao princípio, as coisas melhoravam bastante, mas como é sempre uma questão delicada para os donos compreender bem o que se passa no pensamento dos seus companheiros, poucos dias depois dessas conversas, tudo regressava ao ambiente habitual!
Ora num certo dia em que o trabalho lhe correu mal, Dona Fernanda resolveu tomar uma atitude! Contactou as autoridades locais, escreveu um e-mail ao Provedor do Cidadão a expor-lhe as suas dificuldades (que ficou tão ocupado com aquele problema que demorou dois anos a responder-lhe), mas para sua decepção, os seus esforços de pouco ou nada adiantaram, pois segundo veio mais tarde a saber, de acordo com as leis daquele país, a Dona Brigite tinha todo o direito de ter aqueles amigos lá em casa!
Realmente, por mais voltas que desse à cabeça, ela sentia-se incapaz de compreender quais as razões que faziam com que alguém que tinha três filhos lindos, um marido simpático e de modos tão gentis, tivesse necessidade de ainda ter dois cães daquelas dimensões, a viver com ela num apartamento!
Ainda se fosse ela, que morava sozinha com o marido, que poucas visitas tinha durante o ano, a não ser na Páscoa e no Natal, era possível que se comprendesse melhor o desejo de arranjar um ou dois animais de estimação para lhes fazerem companhia. Mas naquele caso...
Com efeito, de acordo com um ou outro artigo que Dona Fernanda tinha encontrado numa revista de animais, eles não só preenchiam bastante bem as horas de solidão e beneficiavam as relações sociais, mas ajudavam também a melhorar a saúde física e mental dos seus donos!
Às vezes, ao ler certos testemunhos de gratidão e dedicação de alguns animais aos seus donos, ficava profundamente comovida e numa ou noutra altura, dava consigo a pensar se essa poderia ser eventualmente, uma solução para o seu problema. Na verdade, tinha sonhado desde muito nova em ser mãe e após os primeiros anos de casamento sem conseguir ter filhos, começou a tornar-se cada vez mais difícil viver. Por vezes, sentia-se muito infeliz por Deus não lhe haver concedido essa graça e nessas alturas, atormentavam-na mil e um pensamentos de angústia e aflição !
À medida que foi tomando consciência da sua dificuldade em engravidar, começou a fazer tudo o que estava ao seu alcance para reverter esse cenário que tanto a deprimia. Por isso, resolveu submeter-se a uma série de exames médicos, ginecológicos e psicológicos, para ver se descobria qual era realmente a razão do seu problema e para encontrar a melhor forma de ultrapassar essa limitação.
No que ao marido dizia respeito, porque a amava de todo o coração, estava sempre disposto a fazer tudo o que ela lhe pedia, desde que isso a fizesse sentir-se feliz. Por essa razão, fez vários testes às suas capacidades de procriação, respondeu a inúmeros questionários e chegou a tomar algumas injecções para melhorar nem sabia muito bem o quê, mas para grande tristeza deles, nada resultava!
Como Dona Fernanda era uma pessoa de fé, muitas vezes quando saía mais cedo do trabalho, refugiava-se durante certo tempo numa igreja situada perto de sua casa. Aí, aos pés de Nossa Senhora da Conceição, implorava-lhe com fervor que lhe concedesse a graça, de um dia também poder ser mãe de um pequenino.
Ora num certo dia próximo já do Natal, aconteceu que enquanto Dona Fernanda esperava numa sala repleta de gente, para ser atendida por um médico, uma senhora de aspecto muito elegante meteu conversa com ela e, palavra puxa palavra, acabou por falar-lhe de uma associação chamada Esperança Feliz, que entregava crianças para adopção!
Como era de esperar, logo durante o jantar dessa noite, Dona Fernanda falou com o marido acerca da associação Esperança Feliz e, depois de conversarem calmamente sobre o assunto, acharam que poderia ser uma boa ideia, inscreverem-se ambos na mesma. Assim que as circunstâncias da vida do casal se mostraram mais propícias, lá foram ambos procurar a dita associação e uma vez lá chegados, trataram então de preencher as formalidades necessárias para se tornarem membros de pleno direito.
Depois de terem sido aceites como sócios, foram convocados para responderem a uma série de questionários, comparecerem em diferentes entrevistas e submeteram-se a exames que visavam avaliar as suas capacidades como futuros pais adoptivos.
Os dias, as semanas e os meses foram-se passando, mas para desilusão de ambos, o telefone mantinha-se sempre mudo e quedo, sem nada revelar de novo, no que dizia respeito a notícias da parte da associação. Se eles os contactavam em busca de novidades, alguém lhes dizia que tinham de ter paciência, que haviam vários casais na mesma situação que eles, que a lista de espera era muito longa e que logo que tivessem uma criança que lhes parecesse compatível com o perfil de ambos, sem dúvida os informariam!
A vida foi percorrendo o seu curso normal e chegaram as férias grandes. Dona Fernanda e o marido resolveram ir visitar um país estrangeiro em companhia de um casal amigo. Em certo momento do passeio, decidiram ir conhecer um jardim público muito aprazível, famoso pelas suas árvores centenárias e pelas diversas espécies de aves e animais que nele viviam. O lugar era de uma beleza tão fabulosa que Dona Fernanda pediu ao marido para que se sentassem um pouco a contemplar um rio que passava ali não muito distante e que, àquela hora da tarde parecia ser todo feito de ouro!
Apesar de querer continuar o passeio, bastou-lhe olhar para a esposa durante uns segundos para sorrir-lhe e dizer-lhe prontamente que sim. A seguir, combinou com o outro casal que iriam fazer ali uma pequena pausa e disse-lhes que fossem tranquilos dar uma volta pelo jardim, que eles ali os aguardariam pacientemente.
Acariciada por uma brisa delicada e morna do meio da tarde, fatigada pela caminhada, Dona Fernanda sentiu que os olhos se lhe tornavam pesados e mesmo sem querer acabou por adormecer tranquilamente encostada no ombro do marido. Profundamente envolvida pela beleza e paz que a circundavam, a certa altura começou a sonhar que um menino caminhava sorrindo, ao seu encontro. Logo que chegou junto dela acariciou-lhe discretamente a face e Dona Fernanda convidou-o para sentar-se um bocadinho à beira dela, ao que o menino acedeu prontamente.
Após alguns minutos de conversa, o menino pediu-lhe que fizesse um desenho para ele. Dona Fernanda abriu a carteira, tirou um pequeno bloco de apontamentos que levava sempre consigo e três canetas de cores diferentes. O menino pediu-lhe que desenhasse um cestinho de vime com dois coelhos dentro dele.
Contagiada pela imaginação infantil, lá se esmerou por corresponder da melhor maneira possível, aos desejos do seu pequeno interlocutor. Traço após traço, estimulada pelo angélico sorriso de aprovação do pequeno, a imagem foi começando a tornar-se nítida, a ganhar forma, tamanho e cor. De olhos colados na mão de Dona Fernanda, o menino observava interessado, a maneira atenta e harmoniosa como ela ia preenchendo aquela folha do seu bloquinho. Já prestes a terminar, decidiu acrescentar um lacinho na asa do cesto e estava quase a arrancar a folhinha do bloco para entregá-la à criança quando, subitamente, alguém lhe tocou no ombro e a despertou.
Como tinham por costume conversarem ambos sobre as coisas que consideravam mais importantes das suas vidas, quando na noite desse dia ficaram a sós, Dona Fernanda contou ao marido o lindo sonho que havia tido, naquele bocadinho em que havia adormecido apoiada no ombro dele. A seguir, olhando-o com grande seriedade perguntou-lhe:
- E então querido, que te parece? Achas que este sonho poderá querer dizer alguma coisa?
- Não sei querida, lá que foi bonito isso foi, que também me parece um tanto enigmático, de facto parece, mas se ele contém alguma espécie de mensagem secreta, dessa parte já não te sei dizer com certeza...
Depois de haver regressado ao seu país, Dona Fernanda ainda se lembrou muitas vezes daquele sonho tão bonito, que havia tido naquele jardim distante, numa belíssima tarde de Verão!
Ora numa manhã fria de Dezembro em que os vizinhos de cima tinham ido passar o Natal com a família, algo de muito estranho aconteceu na vida de Dona Fernanda. De repente, alguém começou a tocar-lhe insistentemente à campainha, o que a surpreendeu bastante. Mas depois de apurar bem o ouvido, reparou que enquanto que a campainha retinia de maneira contínua, alguém arranhava a porta da rua e ladrava vigorosamente.
Entre atónita e aflita, correu a abrir a porta e quando olhou para fora, nem queria acreditar no que via!... Uma jovem que havia ficado encarregada de tomar conta dos dois cães da Dona Brigite, estava ali com eles na frente dela, ao lado de uma alcofa na qual estava deitado um bebé.
Dona Fernanda nem sabia o que dizer, mas a jovem pediu-lhe de maneira tão insistente que a ajudasse que ela pegou decidida na alcofa e convidou-a a entrar juntamente com os dois cães. A seguir, telefonou para a polícia, informou as autoridades do aparecimento daquele bebé e cobriu-o de beijos e carinhos, enquanto esperava que as pessoas competentes o viessem buscar.
Quando as autoridades chegaram, prontificou-se logo a adoptá-lo se ele necessitasse e até deu os dados da associação na qual ela e o marido estavam inscritos. Pela parte deles, garantiram-lhe que fariam todos os possíveis para que aquele bebé viesse a ser seu filho, se ele precisasse de uma família adoptiva.
Com o coração apertado, Dona Fernanda lá entregou a alcofa ao agente que lhe estendia amavelmente a mão. A seguir fez festinhas aos dois cães que, sem que ninguém soubesse explicar muito bem porquê, a cobriram de lambidelas ternurentas, tal e qual como se sempre tivessem sido todos grandes amigos!
Logo que tudo ficou mais calmo, Dona Fernanda foi ao face book e contactou o marido que àquela hora estava no banco a trabalhar. Mas, como ele se encontrava bastante ocupado, combinaram que assim que ele chegasse a casa, ela o poria ao corrente da insólita situação pela qual havia passado!
Nesse dia ao fim da tarde, depois de ter regressado do banco, o senhor Jaime ouviu a esposa com toda a atenção, parabenizou-a pela sua coragem e presença de espírito, disse-lhe que se sentia muito orgulhoso dela e contou-lhe que trazia boas notícias para dar-lhe. A seguir, aconchegou-se mais a ela que estava sentada no sofá e explicou-lhe que tinha falado com um médico amigo acerca do problema de ambos, que havia descoberto um novo tratamento para certos casos de infertilidade e que se eles quisessem ir vê-lo, teria todo o gosto em ajudá-los.
Ao princípio Dona Fernanda não ficou muito entusiasmada, mas para não desiludir o marido, lá aceitou ir com ele visitar o tal médico amigo de que ele lhe falava. Para seu grande espanto, a pouco e pouco, tratamento após tratamento, as suas esperanças foram renascendo e num dos dias de consulta, o médico disse-lhes com um ar francamente animado:
- Minha cara senhora Fernanda, meu dileto amigo Jaime, ou eu muito me engano ou vocês irão ser pais dentro de aproximadamente sete meses!
- O quê senhor doutor, tem a certeza do que nos está a dizer, perguntaram quase em coro os dois. A notícia era tão maravilhosa, que até lhes custava a acreditar que pudesse ser verdade o que o médico lhes dizia!
- É mas podem ter a certeza, desta vez, estamos todos de parabéns!
Quando saíram do consultório do doutor Picard, a onda de felicidade que lhes invadia os corações era tão grande que mal a conseguiam suportar dentro do peito! Decidiram logo que, nessa noite iriam jantar ambos num lugar muito especial, pois tinham boas razões para comemorar e desejarem ardentemente estarem ambos a sós!
Depois, ao despedirem-se ao fundo de uma rua para irem cada qual para o seu emprego, trocaram um beijo tão carinhoso e profundo, que alguém que os visse de longe, diria certamente que eram um casal de “jovens apaixonados”!
Nessa manhã, no emprego, Dona Fernanda tornou-se uma pessoa tão solícita que todas as colegas estavam espantadas com a sua boa-vontade e disponibilidade. Aliás, ela não só desempenhou as suas tarefas habituais de forma rápida e eficiente, como ainda arranjou tempo para contar duas ou três anedotas às colegas que as fizeram rir até às lágrimas!
Após ter deixado o seu posto de trabalho, foi de propósito à igreja onde ia muitas vezes, para agradecer à Jesus e à sua ditosa Mãe, pela graça absolutamente maravilhosa que lhe haviam concedido. Ali, com os olhos a brilhar de felicidade, enfeitados por discretas lágrimas de gratidão, ia confidenciando secretamente a Virgem: “ó minha Mãe eu te agradeço do fundo do meu coração por tudo o que tens feito por mim! Obrigada Mãe querida, pois hoje sei que doravante não mais voltarei a ter vergonha das minhas colegas que trabalham comigo e que têm filhos!”
Os quatro meses seguintes passaram num ápice! Ocupados a comprar roupinhas de bebé, fraldas, babeiros, mobiliário e brinquedos, nem sequer voltaram a ter tempo para pensar no curioso episódio que Dona Fernanda havia vivido numa certa manhã fria de Dezembro.
Mas como a vida é uma caixinha de surpresas, numa agradável e luminosa tarde de Verão em que andavam ambos a pintar o quarto da menina que já deveria estar prestes a chegar, o telefone tocou na sala-de-jantar. Para que o marido não tivesse que descer do escadote, Dona Fernanda pousou o balde da tinta e disse-lhe:
- Ó marido, espera só um bocadinho que eu vou atender o telefone e já volto, está bem?
- Está bem mulher, vai lá então e vê se não demoras muito...
Entretanto, para grande surpresa do senhor Jaime, em determinado momento a esposa começou a chamá-lo para ir ao telefone também. Um tanto aborrecido lá desceu os degraus, pousou a trincha em cima de uns cartões e lá se dirigiu para a sala-de-jantar. Assim que ali entrou disse prontamente:
- Vá lá mulher, o que é que me queres afinal?
Dona Fernanda estendeu-lhe o auscultador e com os olhos brilhantes de alegria disse:
- Anda cá, é a Dr.ª Matilde da associação Esperança Feliz, ouve o que ela tem para nos dizer...
Quando pousou o auscultador do telefone, o senhor Jaime olhou para a esposa e sem proferir nenuma palavra, abraçaram-se absolutamente felizes, pois segundo lhes tinha contado a Dr.ª Matilde, a cegonha iria visitá-los novamente, daí a poucos meses! É que o menino que Dona Fernanda tinha recolhido em sua casa e depois entregue às autoridades, afinal iria precisar dela para ser também sua mãe!
Nessa noite quando se deitou, extenuada pelo cansaço e pela imensa onda de emoções que a invadiam, Dona Fernanda adormeceu profundamente. Sem que nada o fizesse esperar, de repente, reviu-se de novo naquele maravilhoso jardim paradisíaco aonde havia estado com o marido e uns amigos, há já quase dois anos atrás.
Subitamente, viu o mesmo menino com quem havia sonhado antes, vir novamente ao seu encontro. Mas dessa vez não vinha pedir-lhe outro desenho, pois tinha com ele o que ela havia feito na primeira vez em que tinham estado juntos.
Depois numa voz muito terna e alegre, o menino disse à sua interlocutora:
- Aqui está Dona Fernanda, o cestinho com os dois coelhinhos que fez para mim. A minha Mãe pediu-me e Eu acedi em confiar-lhe duas crianças que vão necessitar muito do seu amor, do seu exemplo e protecção pela vida fora, para crescerem felizes e saudáveis. Agora, só é preciso que a senhora e o seu marido lhes arranjem um cestinho muito confortável e seguro para que nada de mal lhes aconteça!
Após esta conversa, o menino afastou-se um pouco de Dona Fernanda e lentamente ela acabou por o perder de vista.
No dia seguinte quando despertou, Dona Fernanda ainda tinha bem presente na mente o maravilhoso sonho dessa noite. Mal podendo conter a emoção, acordou o marido e contou-lhe logo tudo o que lhe havia dito o lindo menino de feições angélicas, com o qual tinha voltado a sonhar novamente.
- Minha doce e querida Fernanda, aí tens a tua resposta. Tenho a certeza absoluta que esse menino que te visitou era o Menino Jesus e com as palavras que te dirigiu, fica completamente desvendado para nós os dois, a mensagem que antes não sabíamos compreender: o verdadeiro significado do enigmático sonho do cestinho!


Sónia Queirós.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

O Velho Moinho




O dia tinha amanhecido quente e soalheiro. Os passarinhos, esvoaçando alegremente de um lado para o outro sem parar, cantavam nas árvores, lindas melodias àquele magnífico Domingo de Verão. O céu, por sua vez, convencido da sua imegável formusura, parecia ter decidido abrir as portadas daquele dia, com o seu mais belo e majestoso manto azul claro, debroado por delicadas fitas douradas.
Assim que acordaram, as meninas nem hesitaram. A manhã estava tão bonita, tão luminosa que era uma pena desperdiçá-la ficando tranquilamente deitadas nas suas camas. Vai daí, depois de conversarem entre si durante alguns minutos, saíram do quarto sem demoras, fizeram a primeira higiene da manhã e dirigiram-se apressadamente para a cozinha para irem tomar o pequeno-almoço.
Como era costume, quando lá chegaram, a avó já tinha tudo prontinho. Por isso, depois dos beijinhos do reencontro da manhã, foi só sentarem-se nos seus respectivos lugares na mesa, para beberem o café com leite quentinho e comerem com imenso gosto, as fatias de regueifa fresquinha com manteiga que ela tão ternamente lhes tinha preparado. Mal terminaram a primeira refeição do dia, entre conversas e brincadeiras, passaram à fase seguinte, ou seja, a da escovagem dos dentes, da “vestimenta”, de pentear melhor os cabelos, etapas nas quais a avó dava sempre uma ajuda indispensável!
A próxima missão, era a de irem ao quarto dos pais para os chamar sem demoras, porque a manhã estava magnífica e o parque infantil estava à espera delas. Depois de haverem decidido quem iria ser a “vítima”, a irmã mais nova deu umas pancadinhas suaves na porta e, de lá de dentro ouviram a voz da mãe a dizer:
- Está aberta, podem entrar.
Após terem ambos escutado a proposta do trio, como a mãe disse que tinha de ajudar a avó na cozinha a tratar do almoço e com as lides domésticas, o pai ficou “automaticamente” recrutado para as acompanhar aos baloiços, aos escorregões, aos carroceis e a tudo o mais que existia naquele maravilhoso espaço de diversão! Assim, logo que o pai acabou também de tomar o pequeno-almoço e de se arranjar, pegou no jornal que a avó já tinha trazido ao voltar da missa dominical, pô-lo debaixo do braço e lá seguiram todos em alegre correria.
Sultão, o cão da família, era quase sempre um dos companheiros habituais nessas jornadas matinais e como era fã daqueles passeios ao ar livre, mal cabia nele de contente quando lhe punham a coleira e a trela, pois bem sabia o que isso queria dizer. Logo que se apanhava solto no monte, corria para um lado e para o outro, cheirando aqui e ali e depois, lá vinha a toda a pressa no encalço do pai e das pequenas. De vez em quando, quando viam que ele estava distraído com alguma coisa, escondiam-se todos por detrás de um grande aglomerado de fetos ou punham-se junto a uma árvore de tronco bem largo e, ficavam muito caladinhos à espera que ele os começasse a procurar. Ao cabo de alguns minutos de haver dado início às suas buscas, ora de nariz no ar, ora bem pertinho do chão, o Sultão lá aparecia junto do grupo, de cauda a abanar alegremente e com um olhar triunfante no qual se lia: “Ah, então pensavam que eu não era capaz de os encontrar?”
Após os afagos de recompensa, que ele retribuía com molhadas lambidelas, lá retomavam o caminho ora por carreiros mais estreitos do monte, ora por locais amplos, ladeados por grandes e frondosos eucaliptos, pinheiros mansos, corticeiros e outras árvores mais. Enquanto se deslocavam, iam reparando nos vários tipos de flores por ali existentes, para depois ao voltarem do parque, poderem colher uns lindos ramalhetes delas bem coloridos e aromáticos. É que tanto à mãe como à avó, gostavam imenso de os receber quando elas chegavam a casa.
Era sempre entre correrias e brincadeiras, que percorriam aqueles caminhos tão sossegados e tranquilos, ao longo dos quais, podiam escutar-se de todos os lados, os harmoniosos cantos e chilreios dos passarinhos. Uma vez por outra, lá se cruzavam com alguém que parecia regressar da missa dominical, mas isso era coisa pouco frequente.
Apesar de a distância ser um tanto longa, como iam guiadas pela alegria e vontade de chegar sem demoras, era quase sempre num abrir e fechar de olhos, que os quatro transpunham os portões metálicos que davam acesso aos divertimentos do bonito e bem equipado parque infantil. Assim que lá chegavam, o pai recomendava-lhes como sempre fazia, que tivessem muito cuidado ao brincarem nos baloiços e nos escorregões para não se magoarem e, dizia-lhes que ia sentar-se naquele banquinho do costume, por baixo das árvores a ler o jornal e que o Sultão ficava a fazer-lhe companhia. Se precisassem de alguma coisa, era só chamar por ele ou irem à beira dele.
Nem era preciso dizer mais nada. Num abrir e fechar de olhos, galgavam a meia dúzia de escadinhas que as separavam do parque e lá partiam felizes como andorinhas, a correr em direcção aos baloiços, escorregas, ao comboio, etc, etc. O entusiasmo era tal que, distraídas como andavam a saltitar de um divertimento para outro, nem davam pelo tempo a passar e o pai, invariavelmente tinha que erguer-se e caminhar até ao portão do parque para lhes dizer que já estava na hora de regressarem.
Certo dia porém, aconteceu que ao voltarem para casa, as meninas repararam mais uma vez, num desvio que havia num lugar do caminho. Era um carreirinho estreito e não muito longo, que desembocava na parte principal do trajecto onde elas passavam e que conduzia até uma habitação pequena de formas arredondadas. Dessa vez, uma das meninas sentiu grande curiosidade em ir visitar aquela casinha, que não parecia estar habitada por ninguém e ganhando coragem, disse ao pai:
- Pai, podemos ir até àquela casa ali ao fundo?
- Podem, mas tenham muito cuidado e vejam bem onde põem os pés, para ninguém se magoar. Acho que está abandonada e tenho receio que existam vidros partidos pelo chão, latas de conservas vazias, bocados de madeira com pregos ou parafusos ferrugentos neles espetados e outras coisas assim, sei lá… Lembrem-se de que há sempre pessoas com poucos escrúpulos, que atiram o lixo para qualquer lado e o pior é para as crianças.
- Está bem paizinho, nós vamos com cuidado!
Poucos minutos volvidos, já andavam os quatro em volta da casa redonda, elas observando um e outro aspecto daquela, tocando ali e acolá, enquanto que o Sultão farejava com a máxima atenção tudo o que lhe parecia digno do seu interesse. O pai que entretanto caminhava a pouca distância, olhava com todo o cuidado para os sítios por onde o grupo passava. Logo que o sentiram junto delas, começaram a fazer-lhe uma série de perguntas sobre as particularidades daquela casita tão curiosa.
- Olha pai, o que é esta roda redonda tão pesada e difícil de pôr a andar? Por que é que tem tantas tábuas de madeira aparafusadas nesta armação de metal cheia de ferrugem?
- Ora bem, esta roda grande e redonda que aqui vêem é um moinho e serviu em tempos que já lá vão, para moer os grãos de milho, que lentamente se iam transformando em farinha com que depois se fazia o pão. Bem, tem muitas tábuas aparafusadas nessa armação, porque o objectivo era que a água do rio ao passar por baixo delas, a pusesse em movimento.
- E a ferrugem, pai? Por que razão tem tanta ferrugem?
- Bom filha, está assim ferrugenta porque hoje em dia, ninguém cuida dela como antigamente cuidavam e por isso vai-se degradando, percebes?
- Sim, percebo bem.
ora repara pai, já viste que há aqui um canal bem fundo debaixo da roda? Para que é que o fizeram neste sítio, indagava outra das pequenas de indicador apontado à garganta estreita, que se desdobrava por debaixo da grande roda metálica.
- É verdade filha, esse canal é realmente profundo. Acho que o fizeram nesse sítio, para que uma parte da água do rio pudesse ser desviada de propósito para correr por ele, sempre que o moleiro tivesse necessidade de que o moinho dele trabalhasse.
Enquanto o pai ia respondendo ao interrogatório que se alongava sempre um pouco mais, lá arranjaram maneira de se empoleirarem num dos muros laterais que ficava mesmo ao lado da roda do moinho e, começaram a esforçar-se por fazer girar a pesada roda de metal, que entre rangidos e estalidos, lá se ia mexendo com muita dificuldade.
O pai, cheio de boa-vontade e paciência, com avisos permanentes de cuidado e de atenção para verem onde é que mexiam com as mãos, para não espetarem nenhuma farpa nos dedos ou para não se arranharem num prego ferrugento, lá lhes ia satisfazendo a curiosidade.
- Ó pai, achas que podemos ir visitar o moinho por dentro?
- Podemos, mas tem que ser noutra altura, porque senão vamos chegar muito atrasados para o almoço e depois a mãezinha e a avó ficam preocupadas connosco e não há nenhuma necessidade dissso, está bem? Além disso, se querem colher algumas flores como costumam fazer, então não temos tempo a perder.
Foi com uma secreta mas sentida satisfação que, ouviu a filha mais velha dizer prontamente:
- Bom, como ainda temos que ir apanhar as flores, então se calhar, o melhor é irmos indo já para casa e na próxima vez visitamos o moinho por dentro.
Aquelas palavras sensatas, soaram como música aos ouvidos do pai. Assim, como todos concordaram com a sugestão dada, voltaram sem mais demoras, ao caminho de regresso. É que, muito embora ele gostasse imenso de as ver felizes, sabia perfeitamente que, dado o estado actual de degradação daquele moinho, facilmente uma criança poderia magoar-se e isso era o que de maneira nenhuma ele queria que sucedesse com qualquer uma das suas pequeninas.