sexta-feira, 10 de junho de 2011

O Velho Moinho




O dia tinha amanhecido quente e soalheiro. Os passarinhos, esvoaçando alegremente de um lado para o outro sem parar, cantavam nas árvores, lindas melodias àquele magnífico Domingo de Verão. O céu, por sua vez, convencido da sua imegável formusura, parecia ter decidido abrir as portadas daquele dia, com o seu mais belo e majestoso manto azul claro, debroado por delicadas fitas douradas.
Assim que acordaram, as meninas nem hesitaram. A manhã estava tão bonita, tão luminosa que era uma pena desperdiçá-la ficando tranquilamente deitadas nas suas camas. Vai daí, depois de conversarem entre si durante alguns minutos, saíram do quarto sem demoras, fizeram a primeira higiene da manhã e dirigiram-se apressadamente para a cozinha para irem tomar o pequeno-almoço.
Como era costume, quando lá chegaram, a avó já tinha tudo prontinho. Por isso, depois dos beijinhos do reencontro da manhã, foi só sentarem-se nos seus respectivos lugares na mesa, para beberem o café com leite quentinho e comerem com imenso gosto, as fatias de regueifa fresquinha com manteiga que ela tão ternamente lhes tinha preparado. Mal terminaram a primeira refeição do dia, entre conversas e brincadeiras, passaram à fase seguinte, ou seja, a da escovagem dos dentes, da “vestimenta”, de pentear melhor os cabelos, etapas nas quais a avó dava sempre uma ajuda indispensável!
A próxima missão, era a de irem ao quarto dos pais para os chamar sem demoras, porque a manhã estava magnífica e o parque infantil estava à espera delas. Depois de haverem decidido quem iria ser a “vítima”, a irmã mais nova deu umas pancadinhas suaves na porta e, de lá de dentro ouviram a voz da mãe a dizer:
- Está aberta, podem entrar.
Após terem ambos escutado a proposta do trio, como a mãe disse que tinha de ajudar a avó na cozinha a tratar do almoço e com as lides domésticas, o pai ficou “automaticamente” recrutado para as acompanhar aos baloiços, aos escorregões, aos carroceis e a tudo o mais que existia naquele maravilhoso espaço de diversão! Assim, logo que o pai acabou também de tomar o pequeno-almoço e de se arranjar, pegou no jornal que a avó já tinha trazido ao voltar da missa dominical, pô-lo debaixo do braço e lá seguiram todos em alegre correria.
Sultão, o cão da família, era quase sempre um dos companheiros habituais nessas jornadas matinais e como era fã daqueles passeios ao ar livre, mal cabia nele de contente quando lhe punham a coleira e a trela, pois bem sabia o que isso queria dizer. Logo que se apanhava solto no monte, corria para um lado e para o outro, cheirando aqui e ali e depois, lá vinha a toda a pressa no encalço do pai e das pequenas. De vez em quando, quando viam que ele estava distraído com alguma coisa, escondiam-se todos por detrás de um grande aglomerado de fetos ou punham-se junto a uma árvore de tronco bem largo e, ficavam muito caladinhos à espera que ele os começasse a procurar. Ao cabo de alguns minutos de haver dado início às suas buscas, ora de nariz no ar, ora bem pertinho do chão, o Sultão lá aparecia junto do grupo, de cauda a abanar alegremente e com um olhar triunfante no qual se lia: “Ah, então pensavam que eu não era capaz de os encontrar?”
Após os afagos de recompensa, que ele retribuía com molhadas lambidelas, lá retomavam o caminho ora por carreiros mais estreitos do monte, ora por locais amplos, ladeados por grandes e frondosos eucaliptos, pinheiros mansos, corticeiros e outras árvores mais. Enquanto se deslocavam, iam reparando nos vários tipos de flores por ali existentes, para depois ao voltarem do parque, poderem colher uns lindos ramalhetes delas bem coloridos e aromáticos. É que tanto à mãe como à avó, gostavam imenso de os receber quando elas chegavam a casa.
Era sempre entre correrias e brincadeiras, que percorriam aqueles caminhos tão sossegados e tranquilos, ao longo dos quais, podiam escutar-se de todos os lados, os harmoniosos cantos e chilreios dos passarinhos. Uma vez por outra, lá se cruzavam com alguém que parecia regressar da missa dominical, mas isso era coisa pouco frequente.
Apesar de a distância ser um tanto longa, como iam guiadas pela alegria e vontade de chegar sem demoras, era quase sempre num abrir e fechar de olhos, que os quatro transpunham os portões metálicos que davam acesso aos divertimentos do bonito e bem equipado parque infantil. Assim que lá chegavam, o pai recomendava-lhes como sempre fazia, que tivessem muito cuidado ao brincarem nos baloiços e nos escorregões para não se magoarem e, dizia-lhes que ia sentar-se naquele banquinho do costume, por baixo das árvores a ler o jornal e que o Sultão ficava a fazer-lhe companhia. Se precisassem de alguma coisa, era só chamar por ele ou irem à beira dele.
Nem era preciso dizer mais nada. Num abrir e fechar de olhos, galgavam a meia dúzia de escadinhas que as separavam do parque e lá partiam felizes como andorinhas, a correr em direcção aos baloiços, escorregas, ao comboio, etc, etc. O entusiasmo era tal que, distraídas como andavam a saltitar de um divertimento para outro, nem davam pelo tempo a passar e o pai, invariavelmente tinha que erguer-se e caminhar até ao portão do parque para lhes dizer que já estava na hora de regressarem.
Certo dia porém, aconteceu que ao voltarem para casa, as meninas repararam mais uma vez, num desvio que havia num lugar do caminho. Era um carreirinho estreito e não muito longo, que desembocava na parte principal do trajecto onde elas passavam e que conduzia até uma habitação pequena de formas arredondadas. Dessa vez, uma das meninas sentiu grande curiosidade em ir visitar aquela casinha, que não parecia estar habitada por ninguém e ganhando coragem, disse ao pai:
- Pai, podemos ir até àquela casa ali ao fundo?
- Podem, mas tenham muito cuidado e vejam bem onde põem os pés, para ninguém se magoar. Acho que está abandonada e tenho receio que existam vidros partidos pelo chão, latas de conservas vazias, bocados de madeira com pregos ou parafusos ferrugentos neles espetados e outras coisas assim, sei lá… Lembrem-se de que há sempre pessoas com poucos escrúpulos, que atiram o lixo para qualquer lado e o pior é para as crianças.
- Está bem paizinho, nós vamos com cuidado!
Poucos minutos volvidos, já andavam os quatro em volta da casa redonda, elas observando um e outro aspecto daquela, tocando ali e acolá, enquanto que o Sultão farejava com a máxima atenção tudo o que lhe parecia digno do seu interesse. O pai que entretanto caminhava a pouca distância, olhava com todo o cuidado para os sítios por onde o grupo passava. Logo que o sentiram junto delas, começaram a fazer-lhe uma série de perguntas sobre as particularidades daquela casita tão curiosa.
- Olha pai, o que é esta roda redonda tão pesada e difícil de pôr a andar? Por que é que tem tantas tábuas de madeira aparafusadas nesta armação de metal cheia de ferrugem?
- Ora bem, esta roda grande e redonda que aqui vêem é um moinho e serviu em tempos que já lá vão, para moer os grãos de milho, que lentamente se iam transformando em farinha com que depois se fazia o pão. Bem, tem muitas tábuas aparafusadas nessa armação, porque o objectivo era que a água do rio ao passar por baixo delas, a pusesse em movimento.
- E a ferrugem, pai? Por que razão tem tanta ferrugem?
- Bom filha, está assim ferrugenta porque hoje em dia, ninguém cuida dela como antigamente cuidavam e por isso vai-se degradando, percebes?
- Sim, percebo bem.
ora repara pai, já viste que há aqui um canal bem fundo debaixo da roda? Para que é que o fizeram neste sítio, indagava outra das pequenas de indicador apontado à garganta estreita, que se desdobrava por debaixo da grande roda metálica.
- É verdade filha, esse canal é realmente profundo. Acho que o fizeram nesse sítio, para que uma parte da água do rio pudesse ser desviada de propósito para correr por ele, sempre que o moleiro tivesse necessidade de que o moinho dele trabalhasse.
Enquanto o pai ia respondendo ao interrogatório que se alongava sempre um pouco mais, lá arranjaram maneira de se empoleirarem num dos muros laterais que ficava mesmo ao lado da roda do moinho e, começaram a esforçar-se por fazer girar a pesada roda de metal, que entre rangidos e estalidos, lá se ia mexendo com muita dificuldade.
O pai, cheio de boa-vontade e paciência, com avisos permanentes de cuidado e de atenção para verem onde é que mexiam com as mãos, para não espetarem nenhuma farpa nos dedos ou para não se arranharem num prego ferrugento, lá lhes ia satisfazendo a curiosidade.
- Ó pai, achas que podemos ir visitar o moinho por dentro?
- Podemos, mas tem que ser noutra altura, porque senão vamos chegar muito atrasados para o almoço e depois a mãezinha e a avó ficam preocupadas connosco e não há nenhuma necessidade dissso, está bem? Além disso, se querem colher algumas flores como costumam fazer, então não temos tempo a perder.
Foi com uma secreta mas sentida satisfação que, ouviu a filha mais velha dizer prontamente:
- Bom, como ainda temos que ir apanhar as flores, então se calhar, o melhor é irmos indo já para casa e na próxima vez visitamos o moinho por dentro.
Aquelas palavras sensatas, soaram como música aos ouvidos do pai. Assim, como todos concordaram com a sugestão dada, voltaram sem mais demoras, ao caminho de regresso. É que, muito embora ele gostasse imenso de as ver felizes, sabia perfeitamente que, dado o estado actual de degradação daquele moinho, facilmente uma criança poderia magoar-se e isso era o que de maneira nenhuma ele queria que sucedesse com qualquer uma das suas pequeninas.

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