sábado, 18 de junho de 2011

O Enigmático Sonho do Cestinho!






Dona Fernanda era uma senhora que trabalhava como funcionária pública, numa repartição dos correios da cidade onde habitava. Vivia com o marido num andar considerado de luxo, uma vez que era muito bem mobilado e estava equipado com todos os electrodomésticos e tecnologias ditas essenciais para se poder ser feliz. Além disso, tinha perto de sua casa, um shoping de dimensões consideráveis, onde existiam as mais variadas lojas de produtos para todos os gostos e carteiras, um hospital central localizado a 500 metros da sua residência e da janela da sala-de-jantar, gozava de uma vista privilegiada sobre uma boa parte da cidade.
Se por uma qualquer razão, precisava de ir a algum lado, dispunha de vários meios de transporte a apenas meia dúzia de passos e para relaxar nos dias de lazer, havia não muito longe dali, um amplo jardim panorâmico com imensas árvores, flores e aves de espécies diversas.
No que dizia respeito ao relacionamento com a vizinhança, de uma forma geral era satisfatório com toda a gente, quase todos os dias. Mas as coisas mudavam de figura, quando se falava da senhora que morava no andar por cima do dela, pois aborrecia-a bastante a ideia de a Dona Brigite ter dois cães de grande porte lá em casa, que corriam o dia inteiro de um lado para o outro como se fossem dois jogadores de footsal e que por tudo e por nada, lá se punham ambos a ladrar à desgarrada!
Aquilo deixava-a com os cabelos em pé! Na verdade, ela já tinha falado com a dona Brigite uma ou outra vez, acerca dos latidos e das corridas constantes dos bichinhos e ela, garantiu-lhe que iria fazer o que pudesse para os fazer andar mais calmos. Ao princípio, as coisas melhoravam bastante, mas como é sempre uma questão delicada para os donos compreender bem o que se passa no pensamento dos seus companheiros, poucos dias depois dessas conversas, tudo regressava ao ambiente habitual!
Ora num certo dia em que o trabalho lhe correu mal, Dona Fernanda resolveu tomar uma atitude! Contactou as autoridades locais, escreveu um e-mail ao Provedor do Cidadão a expor-lhe as suas dificuldades (que ficou tão ocupado com aquele problema que demorou dois anos a responder-lhe), mas para sua decepção, os seus esforços de pouco ou nada adiantaram, pois segundo veio mais tarde a saber, de acordo com as leis daquele país, a Dona Brigite tinha todo o direito de ter aqueles amigos lá em casa!
Realmente, por mais voltas que desse à cabeça, ela sentia-se incapaz de compreender quais as razões que faziam com que alguém que tinha três filhos lindos, um marido simpático e de modos tão gentis, tivesse necessidade de ainda ter dois cães daquelas dimensões, a viver com ela num apartamento!
Ainda se fosse ela, que morava sozinha com o marido, que poucas visitas tinha durante o ano, a não ser na Páscoa e no Natal, era possível que se comprendesse melhor o desejo de arranjar um ou dois animais de estimação para lhes fazerem companhia. Mas naquele caso...
Com efeito, de acordo com um ou outro artigo que Dona Fernanda tinha encontrado numa revista de animais, eles não só preenchiam bastante bem as horas de solidão e beneficiavam as relações sociais, mas ajudavam também a melhorar a saúde física e mental dos seus donos!
Às vezes, ao ler certos testemunhos de gratidão e dedicação de alguns animais aos seus donos, ficava profundamente comovida e numa ou noutra altura, dava consigo a pensar se essa poderia ser eventualmente, uma solução para o seu problema. Na verdade, tinha sonhado desde muito nova em ser mãe e após os primeiros anos de casamento sem conseguir ter filhos, começou a tornar-se cada vez mais difícil viver. Por vezes, sentia-se muito infeliz por Deus não lhe haver concedido essa graça e nessas alturas, atormentavam-na mil e um pensamentos de angústia e aflição !
À medida que foi tomando consciência da sua dificuldade em engravidar, começou a fazer tudo o que estava ao seu alcance para reverter esse cenário que tanto a deprimia. Por isso, resolveu submeter-se a uma série de exames médicos, ginecológicos e psicológicos, para ver se descobria qual era realmente a razão do seu problema e para encontrar a melhor forma de ultrapassar essa limitação.
No que ao marido dizia respeito, porque a amava de todo o coração, estava sempre disposto a fazer tudo o que ela lhe pedia, desde que isso a fizesse sentir-se feliz. Por essa razão, fez vários testes às suas capacidades de procriação, respondeu a inúmeros questionários e chegou a tomar algumas injecções para melhorar nem sabia muito bem o quê, mas para grande tristeza deles, nada resultava!
Como Dona Fernanda era uma pessoa de fé, muitas vezes quando saía mais cedo do trabalho, refugiava-se durante certo tempo numa igreja situada perto de sua casa. Aí, aos pés de Nossa Senhora da Conceição, implorava-lhe com fervor que lhe concedesse a graça, de um dia também poder ser mãe de um pequenino.
Ora num certo dia próximo já do Natal, aconteceu que enquanto Dona Fernanda esperava numa sala repleta de gente, para ser atendida por um médico, uma senhora de aspecto muito elegante meteu conversa com ela e, palavra puxa palavra, acabou por falar-lhe de uma associação chamada Esperança Feliz, que entregava crianças para adopção!
Como era de esperar, logo durante o jantar dessa noite, Dona Fernanda falou com o marido acerca da associação Esperança Feliz e, depois de conversarem calmamente sobre o assunto, acharam que poderia ser uma boa ideia, inscreverem-se ambos na mesma. Assim que as circunstâncias da vida do casal se mostraram mais propícias, lá foram ambos procurar a dita associação e uma vez lá chegados, trataram então de preencher as formalidades necessárias para se tornarem membros de pleno direito.
Depois de terem sido aceites como sócios, foram convocados para responderem a uma série de questionários, comparecerem em diferentes entrevistas e submeteram-se a exames que visavam avaliar as suas capacidades como futuros pais adoptivos.
Os dias, as semanas e os meses foram-se passando, mas para desilusão de ambos, o telefone mantinha-se sempre mudo e quedo, sem nada revelar de novo, no que dizia respeito a notícias da parte da associação. Se eles os contactavam em busca de novidades, alguém lhes dizia que tinham de ter paciência, que haviam vários casais na mesma situação que eles, que a lista de espera era muito longa e que logo que tivessem uma criança que lhes parecesse compatível com o perfil de ambos, sem dúvida os informariam!
A vida foi percorrendo o seu curso normal e chegaram as férias grandes. Dona Fernanda e o marido resolveram ir visitar um país estrangeiro em companhia de um casal amigo. Em certo momento do passeio, decidiram ir conhecer um jardim público muito aprazível, famoso pelas suas árvores centenárias e pelas diversas espécies de aves e animais que nele viviam. O lugar era de uma beleza tão fabulosa que Dona Fernanda pediu ao marido para que se sentassem um pouco a contemplar um rio que passava ali não muito distante e que, àquela hora da tarde parecia ser todo feito de ouro!
Apesar de querer continuar o passeio, bastou-lhe olhar para a esposa durante uns segundos para sorrir-lhe e dizer-lhe prontamente que sim. A seguir, combinou com o outro casal que iriam fazer ali uma pequena pausa e disse-lhes que fossem tranquilos dar uma volta pelo jardim, que eles ali os aguardariam pacientemente.
Acariciada por uma brisa delicada e morna do meio da tarde, fatigada pela caminhada, Dona Fernanda sentiu que os olhos se lhe tornavam pesados e mesmo sem querer acabou por adormecer tranquilamente encostada no ombro do marido. Profundamente envolvida pela beleza e paz que a circundavam, a certa altura começou a sonhar que um menino caminhava sorrindo, ao seu encontro. Logo que chegou junto dela acariciou-lhe discretamente a face e Dona Fernanda convidou-o para sentar-se um bocadinho à beira dela, ao que o menino acedeu prontamente.
Após alguns minutos de conversa, o menino pediu-lhe que fizesse um desenho para ele. Dona Fernanda abriu a carteira, tirou um pequeno bloco de apontamentos que levava sempre consigo e três canetas de cores diferentes. O menino pediu-lhe que desenhasse um cestinho de vime com dois coelhos dentro dele.
Contagiada pela imaginação infantil, lá se esmerou por corresponder da melhor maneira possível, aos desejos do seu pequeno interlocutor. Traço após traço, estimulada pelo angélico sorriso de aprovação do pequeno, a imagem foi começando a tornar-se nítida, a ganhar forma, tamanho e cor. De olhos colados na mão de Dona Fernanda, o menino observava interessado, a maneira atenta e harmoniosa como ela ia preenchendo aquela folha do seu bloquinho. Já prestes a terminar, decidiu acrescentar um lacinho na asa do cesto e estava quase a arrancar a folhinha do bloco para entregá-la à criança quando, subitamente, alguém lhe tocou no ombro e a despertou.
Como tinham por costume conversarem ambos sobre as coisas que consideravam mais importantes das suas vidas, quando na noite desse dia ficaram a sós, Dona Fernanda contou ao marido o lindo sonho que havia tido, naquele bocadinho em que havia adormecido apoiada no ombro dele. A seguir, olhando-o com grande seriedade perguntou-lhe:
- E então querido, que te parece? Achas que este sonho poderá querer dizer alguma coisa?
- Não sei querida, lá que foi bonito isso foi, que também me parece um tanto enigmático, de facto parece, mas se ele contém alguma espécie de mensagem secreta, dessa parte já não te sei dizer com certeza...
Depois de haver regressado ao seu país, Dona Fernanda ainda se lembrou muitas vezes daquele sonho tão bonito, que havia tido naquele jardim distante, numa belíssima tarde de Verão!
Ora numa manhã fria de Dezembro em que os vizinhos de cima tinham ido passar o Natal com a família, algo de muito estranho aconteceu na vida de Dona Fernanda. De repente, alguém começou a tocar-lhe insistentemente à campainha, o que a surpreendeu bastante. Mas depois de apurar bem o ouvido, reparou que enquanto que a campainha retinia de maneira contínua, alguém arranhava a porta da rua e ladrava vigorosamente.
Entre atónita e aflita, correu a abrir a porta e quando olhou para fora, nem queria acreditar no que via!... Uma jovem que havia ficado encarregada de tomar conta dos dois cães da Dona Brigite, estava ali com eles na frente dela, ao lado de uma alcofa na qual estava deitado um bebé.
Dona Fernanda nem sabia o que dizer, mas a jovem pediu-lhe de maneira tão insistente que a ajudasse que ela pegou decidida na alcofa e convidou-a a entrar juntamente com os dois cães. A seguir, telefonou para a polícia, informou as autoridades do aparecimento daquele bebé e cobriu-o de beijos e carinhos, enquanto esperava que as pessoas competentes o viessem buscar.
Quando as autoridades chegaram, prontificou-se logo a adoptá-lo se ele necessitasse e até deu os dados da associação na qual ela e o marido estavam inscritos. Pela parte deles, garantiram-lhe que fariam todos os possíveis para que aquele bebé viesse a ser seu filho, se ele precisasse de uma família adoptiva.
Com o coração apertado, Dona Fernanda lá entregou a alcofa ao agente que lhe estendia amavelmente a mão. A seguir fez festinhas aos dois cães que, sem que ninguém soubesse explicar muito bem porquê, a cobriram de lambidelas ternurentas, tal e qual como se sempre tivessem sido todos grandes amigos!
Logo que tudo ficou mais calmo, Dona Fernanda foi ao face book e contactou o marido que àquela hora estava no banco a trabalhar. Mas, como ele se encontrava bastante ocupado, combinaram que assim que ele chegasse a casa, ela o poria ao corrente da insólita situação pela qual havia passado!
Nesse dia ao fim da tarde, depois de ter regressado do banco, o senhor Jaime ouviu a esposa com toda a atenção, parabenizou-a pela sua coragem e presença de espírito, disse-lhe que se sentia muito orgulhoso dela e contou-lhe que trazia boas notícias para dar-lhe. A seguir, aconchegou-se mais a ela que estava sentada no sofá e explicou-lhe que tinha falado com um médico amigo acerca do problema de ambos, que havia descoberto um novo tratamento para certos casos de infertilidade e que se eles quisessem ir vê-lo, teria todo o gosto em ajudá-los.
Ao princípio Dona Fernanda não ficou muito entusiasmada, mas para não desiludir o marido, lá aceitou ir com ele visitar o tal médico amigo de que ele lhe falava. Para seu grande espanto, a pouco e pouco, tratamento após tratamento, as suas esperanças foram renascendo e num dos dias de consulta, o médico disse-lhes com um ar francamente animado:
- Minha cara senhora Fernanda, meu dileto amigo Jaime, ou eu muito me engano ou vocês irão ser pais dentro de aproximadamente sete meses!
- O quê senhor doutor, tem a certeza do que nos está a dizer, perguntaram quase em coro os dois. A notícia era tão maravilhosa, que até lhes custava a acreditar que pudesse ser verdade o que o médico lhes dizia!
- É mas podem ter a certeza, desta vez, estamos todos de parabéns!
Quando saíram do consultório do doutor Picard, a onda de felicidade que lhes invadia os corações era tão grande que mal a conseguiam suportar dentro do peito! Decidiram logo que, nessa noite iriam jantar ambos num lugar muito especial, pois tinham boas razões para comemorar e desejarem ardentemente estarem ambos a sós!
Depois, ao despedirem-se ao fundo de uma rua para irem cada qual para o seu emprego, trocaram um beijo tão carinhoso e profundo, que alguém que os visse de longe, diria certamente que eram um casal de “jovens apaixonados”!
Nessa manhã, no emprego, Dona Fernanda tornou-se uma pessoa tão solícita que todas as colegas estavam espantadas com a sua boa-vontade e disponibilidade. Aliás, ela não só desempenhou as suas tarefas habituais de forma rápida e eficiente, como ainda arranjou tempo para contar duas ou três anedotas às colegas que as fizeram rir até às lágrimas!
Após ter deixado o seu posto de trabalho, foi de propósito à igreja onde ia muitas vezes, para agradecer à Jesus e à sua ditosa Mãe, pela graça absolutamente maravilhosa que lhe haviam concedido. Ali, com os olhos a brilhar de felicidade, enfeitados por discretas lágrimas de gratidão, ia confidenciando secretamente a Virgem: “ó minha Mãe eu te agradeço do fundo do meu coração por tudo o que tens feito por mim! Obrigada Mãe querida, pois hoje sei que doravante não mais voltarei a ter vergonha das minhas colegas que trabalham comigo e que têm filhos!”
Os quatro meses seguintes passaram num ápice! Ocupados a comprar roupinhas de bebé, fraldas, babeiros, mobiliário e brinquedos, nem sequer voltaram a ter tempo para pensar no curioso episódio que Dona Fernanda havia vivido numa certa manhã fria de Dezembro.
Mas como a vida é uma caixinha de surpresas, numa agradável e luminosa tarde de Verão em que andavam ambos a pintar o quarto da menina que já deveria estar prestes a chegar, o telefone tocou na sala-de-jantar. Para que o marido não tivesse que descer do escadote, Dona Fernanda pousou o balde da tinta e disse-lhe:
- Ó marido, espera só um bocadinho que eu vou atender o telefone e já volto, está bem?
- Está bem mulher, vai lá então e vê se não demoras muito...
Entretanto, para grande surpresa do senhor Jaime, em determinado momento a esposa começou a chamá-lo para ir ao telefone também. Um tanto aborrecido lá desceu os degraus, pousou a trincha em cima de uns cartões e lá se dirigiu para a sala-de-jantar. Assim que ali entrou disse prontamente:
- Vá lá mulher, o que é que me queres afinal?
Dona Fernanda estendeu-lhe o auscultador e com os olhos brilhantes de alegria disse:
- Anda cá, é a Dr.ª Matilde da associação Esperança Feliz, ouve o que ela tem para nos dizer...
Quando pousou o auscultador do telefone, o senhor Jaime olhou para a esposa e sem proferir nenuma palavra, abraçaram-se absolutamente felizes, pois segundo lhes tinha contado a Dr.ª Matilde, a cegonha iria visitá-los novamente, daí a poucos meses! É que o menino que Dona Fernanda tinha recolhido em sua casa e depois entregue às autoridades, afinal iria precisar dela para ser também sua mãe!
Nessa noite quando se deitou, extenuada pelo cansaço e pela imensa onda de emoções que a invadiam, Dona Fernanda adormeceu profundamente. Sem que nada o fizesse esperar, de repente, reviu-se de novo naquele maravilhoso jardim paradisíaco aonde havia estado com o marido e uns amigos, há já quase dois anos atrás.
Subitamente, viu o mesmo menino com quem havia sonhado antes, vir novamente ao seu encontro. Mas dessa vez não vinha pedir-lhe outro desenho, pois tinha com ele o que ela havia feito na primeira vez em que tinham estado juntos.
Depois numa voz muito terna e alegre, o menino disse à sua interlocutora:
- Aqui está Dona Fernanda, o cestinho com os dois coelhinhos que fez para mim. A minha Mãe pediu-me e Eu acedi em confiar-lhe duas crianças que vão necessitar muito do seu amor, do seu exemplo e protecção pela vida fora, para crescerem felizes e saudáveis. Agora, só é preciso que a senhora e o seu marido lhes arranjem um cestinho muito confortável e seguro para que nada de mal lhes aconteça!
Após esta conversa, o menino afastou-se um pouco de Dona Fernanda e lentamente ela acabou por o perder de vista.
No dia seguinte quando despertou, Dona Fernanda ainda tinha bem presente na mente o maravilhoso sonho dessa noite. Mal podendo conter a emoção, acordou o marido e contou-lhe logo tudo o que lhe havia dito o lindo menino de feições angélicas, com o qual tinha voltado a sonhar novamente.
- Minha doce e querida Fernanda, aí tens a tua resposta. Tenho a certeza absoluta que esse menino que te visitou era o Menino Jesus e com as palavras que te dirigiu, fica completamente desvendado para nós os dois, a mensagem que antes não sabíamos compreender: o verdadeiro significado do enigmático sonho do cestinho!


Sónia Queirós.

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