terça-feira, 12 de julho de 2011

A Felicidade não tem Limites!







Há já muitos e longos meses que a família Duarte aguardava com ansiedade e expectativa, o nascimento do seu segundo rebento! A julgar pelas previsões e exames médicos já realizados, seria uma menina, provavelmente forte e saudável, assim como o era o seu irmãozito Manuel que ia já nos seus exuberantes e traquinas três anos de vida.
Como aquela já não era a primeira vez que Cecília ia ser mãe, então foi preparando tudo com calma e cuidado, ao longo dos meses que antecediam a chegada do grande dia. Com o esmero e carinho que normalmente caracterizam as mães, empenhava-se por fazer tudo o que estivesse ao seu alcance, para receber da melhor forma a sua pequenina. Sem grandes canseiras mas com muita ternura e dedicação, lá ia escolhendo lindos fatinhos e vestidinhos para a menina, uns sapatinhos de lã muito quentinhos, uns babeirinhos repletos de ursinhos, flores e elefantes, isso para já nem mencionar os primeiros brinquedos, os pacotes de fraldas, de toalhetes para limpar bebés e tantas outras coisas que considerava fundamentais para o bem-estar da filha que trazia no ventre.
Secretamente, sem que ninguém se apercebesse disso, dia após dia à noitinha, depois de já ter adormecido os habitantes da casa, sentada na sua cama, ela anotava num cadernirho quanto tempo faltava ainda para a chegada do tão ansiado momento! De quando em vez, quando não se sentia muito fatigada pelo cansaço do trabalho e das lides da casa, escrevia um pequeno poema, um pensamento ou uma ou duas frases que lhe pareciam mais significativas ou então fazia um bonito desenho, para um dia mais tarde, as oferecer à sua tão ansiada e querida menina!
Como sempre acontece, na vida de todos os que vivem cada dia guiados pelo sonho e pela luz da esperança, quando numa tarde soalheira de Outono, o contador do tempo marcava ainda as suas primeiras horas, Cecília mal pôde crer naquilo que as palpitações do seu corpo e do coração começaram a anunciar-lhe. Sentiu interiormente que a feliz hora de tomar mais uma vez parte activa na dádiva da vida a um novo ser humano se aproximava.
Nessa ocasião porém, não ficou tão inquieta e angustiada como lhe acontecera, quando foi mãe pela primeira vez. Pelo contrário, começou a pouco e pouco, a sentir que dentro do seu coração, da sua alma, do cérebro ou de todos eles talvez, lentamente ia surgindo uma espécie de Sol luminoso que lhe aquecia agradavelmente todo o ser, do qual o brilho se ia intensificando à medida que crescia ligeiramente o ritmo dos seus batimentos cardíacos. Logo a seguir, o rosto de Cecília foi iluminado por um gracioso e terno sorriso, que demonstrava de maneira muito clara, que ela tinha a certeza da realidade que o íntimo começava a revelar-lhe.
Com toda a serenidade de quem já sabe o que a espera, pousou na gaveta da secretária de trabalho, os volumes e cadernos que consultava naquele preciso momento para realizar uma pesquisa importante. Em seguida, desligou o computador e telefonou ao marido com uma voz na qual se lia um misto de calma e de ansiedade, pedindo-lhe que a fosse buscar à empresa quanto antes, pois estava prestes a dar à luz.
Adriano mal podia acreditar naquilo que ouvia do outro lado da linha! Num misto de alegria e ansiedade, enquanto contemplava no pensamento a ideia de ser pai novamente, disse à esposa que ficasse tranquila que ele ia de imediato ao encontro dela. Assim, avisou prontamente a Dona Filipa, a sua competente secretária de que a cegonha já estava prestes a visitá-los pela segunda vez. Por isso, pediu-lhe que fizesse o favor de ir ter com ele quanto antes, ao que ela acedeu sem demoras. Sentada junto da secretária do chefe, tomou rapidamente nota das cartas mais importantes para despachar. Logo a seguir, estendeu-lhe os dois últimos cheques que naquele dia, faltava ainda assinar, para depois poderem seguir para o correio no fim do horário de expediente e, perguntou-lhe se queria que ela desmarcasse a reunião agendada com o Dr. Gervásio para as 17 horas daquela tarde.
Quando sentiu que todos os assuntos principais estavam mais ou menos “alinhavados”, Dona Filipa ergueu-se da sua cadeira, caminhou até ao bengaleiro que se encontrava junto da porta de saída do escritório e pegou amavelmente no sobretudo do chefe.
Adriano que entretanto se tinha levantado também, guardou uns últimos papeis numa das gavetas da secretária, colocou um arquivo numa estante metálica e fechou-o em seguida. Depois, pegou no sobretudo que Dona Filipa lhe oferecia com delicadeza e dobrou-o de forma meticulosa, colocando-o a seguir, cuidadosamente sobre o braço esquerdo. Já prestes a entrar no elevador, ainda a ouviu dizer:
- Vá descansado Sr. Dr. pois eu telefonarei para a florista que o senhor mais gosta e mandarei enviar um bonito ramo de rosas para a Dr.ª Cecília, acompanhado do respectivo cartãozinho com votos de muitas felicidades.
- Oh, muito obrigada Dona Filipa, tenho a certeza que a Cecília vai ficar muito contente!
E, como o relógio continuava a andar no seu ritmo habitual, deixou que a porta metálica se fechasse atrás dele e partiu sem mais demoras.
Algum tempo depois, enquanto esperava por notícias da esposa numa sala bem iluminada, enfeitada por uns delicados vasos que continham plantas de múltiplas colorações, formas e feitios, ia dizendo Adriano de si para consigo: Ora bolas, a vida é mesmo cheia de contrastes! Há um bocado, ansiava eu por que todos os sinais de trânsito estivessem verdes, pedia a Deus que naquele momento ninguém atravessasse nas passadeiras e lá vinha o mais depressa que podia! Só me apercebi daquela lomba enorme junto do estádio de futebol praticamente em cima dela o que quase nos fazia dar um salto dos diabos e agora, estou para aqui a imitar uma barata tonta, (se é que existem algumas desse género), a andar de um lado para o outro e a olhar para quem passa como se fosse um detective profissional. Pior do que isso, é que a porcaria das horas e dos minutos parecem não querer passar e eu ansioso para saber como é que as coisas estão a correr com a Cecília e a bebé.
Via, quase sem se aperceber da sua presença, os outros pais tão nervosos quanto ele, que tão depressa se sentavam como se levantavam, andando de um lado para o outro, olhavam impacientemente o relógio na expectativa de que o tempo passasse e não houvesse aquela sensação de impotência perante algo tão grandioso que estaria a acontecer naquele preciso momento.
Com efeito, Adriano debatia-se nas ondas revoltas de um mar de ansiedades, açoitado por um vento forte de aflições e expectativas bem difíceis de controlar... Por várias vezes, pensou em dirigir-se ao serviço de informações da maternidade, para ver se alguém já teria alguma notícia que pudesse dar-lhe. Noutras alturas, vinham-lhe ideias de se dirigir a algum dos médicos ou enfermeiras que por ali passavam ocupados com os seus afazeres e meditações, para saber se algum deles poderia talvez, dar-lhe alguma informação que o pudesse sossegar um pouco.
De repente, um médico assomou a uma das portas envidraçadas e entrando na sala de espera perguntou:
- Boa tarde. Quem é o senhor Adriano Duarte?
Adriano respondeu sem hesitações:
- Boa tarde, senhor Doutor. Sou eu mesmo.
- Então queira fazer o favor de acompanhar-me, pois tenho boas notícias para si. É pai de uma bela menina.
- E a minha esposa, como está?
- Mãe e filha estão bem, mas venha comigo que já vai estar com elas.
- É o que mais quero, neste momento
Adriano que se tinha levantado prontamente da cadeira aonde se havia recostado pela quarta ou quinta vez há uns cinco minutos atrás, tomou nas mãos os seus pertences e dispôs-se desde logo a seguir atrás do médico que o solicitava.
Após haverem percorrido alguns corredores, subido uns quantos andares e atravessado inúmeras portas, Adriano foi introduzido num quarto bem arejado e batido pelo Sol que entretanto começava a declinar lá muito ao longe na linha do horizonte. Assim que os olhos se lhe adaptaram à luminosidade doirada daquele local, reparou em Cecília que descansava tranquilamente num leito alvo e sóbrio, acompanhada por uma linda e delicada bebé recém-nascida que dormia sem sobressaltos, reclinada no confortável e aconchegante calor maternal.
De imediato Adriano sentiu os olhos humedecerem-se-lhe de emoção e o seu rosto, ficou lentamente enfeitado por um discreto sorriso de terna gratidão por aquela dádiva da Vida que acabara de receber! Sem saber muito bem como reagir ao encantador quadro que naquele momento presenciava, tirou do bolso o seu lenço delicadamente perfumado, limpou uma ou outra lágrima mais teimosa que insistia em aparecer à luz do dia e fungou baixinho para não perturbar o sono da bebé.
- Meu Deus, que cenário maravilhoso, murmurou num monólogo que só ele próprio conseguia distinguir! Assim que se sentiu mais tranquilo, aproximou-se da esposa e beijou-a ternamente na fronte. Ela abriu os olhos e disse numa voz comovida:
- Olá meu amor! Já reparaste como é linda a nossa menina?
Sim querida é um encanto! Acho-a muito parecida contigo e tenho a certeza de que há-de ser uma delicada e encantadora representante da família Duarte!
Subitamente porém, o lindo quadro edílico começou a desvanecer-se. De forma inesperada para Adriano, o rosto de Cecília perturbou-se e a pouco e pouco, o sorriso transformou-se-lhe em lágrimas de pranto que corriam silenciosa e dolorosamente umas atrás das outras, o que muito o constrangia e admirava.
- Mas querida, o que foi? O que é que se passa? Porque motivo estás assim chorosa se a menina é tão bonita? Vê se te acalmas e fala comigo, para que eu consiga compreender qual o motivo para o derramar de tantas lágrimas, está bem?
Aos poucos Cecília foi recuperando a calma, enquanto Adriano lhe enxugava ternamente os olhos com um lenço e lhe afagava as mãos com doçura. Beijando-lhe o rosto com imensa ternura, olhava para ela e dizia baixinho:
- Vá então agora a menina Cecília está a ficar chorona? É para ensinar à bebé como se faz?
Cecília sorriu com o gracejo carinhoso do marido. A seguir, começou a falar com dificuldade, dado que a voz lhe saía entrecortada por soluços frequentes, que atrapalhavam um tanto a comunicação entre ambos, mas que lentamente se foram desvanecendo perante os afectos e carinhos dele.
A ainda jovem mãe, começou então a explicar ao marido, num tom de voz que se misturava entre a tristeza e a angústia que, se calhar a filhinha deles no futuro iria ter problemas de visão, pois os olhos da menina pareciam-lhe demasiado grandes em relação aos de outros bebés e temia que isso pudesse ser um sinal de que mais tarde, ela viesse a ter problemas neles.
Como era uma pessoa naturalmente calma e optimista, muito embora tivesse ficado bastante apreensivo com aquela revelação inesperada, Adriano tentou convencer a esposa da melhor maneira que sabia, de que certamente ela estaria enganada. Assim, para não deixar transparecer a aflição que começou a sentir naquele momento, com palavras de conforto e alento, logo tratou de passar a animá-la.
Apesar de bem conhecer a importância das intuições maternas, Adriano não quis afligir a esposa mais do que ela já estava. Por isso, para a acalmar, disse-lhe que a menina era muito pequena e que portanto, naquela altura, ainda era muito cedo para estarem a tirar tais conclusões... Além disso, garantiu-lhe que só daí a alguns meses é que os médicos poderiam fazer com precisão testes aos reflexos visuais dela. Somente na posse desses resultados, é que poderiam pensar com calma sobre o assunto.
- Vê bem querida, não vale a pena estarmos ambos a sofrer desnecessariamente por antecipação!
Cecília fitou o marido com toda a atenção e disse-lhe em voz calma:
- Oh, meu amor querido é bem possível que tenhas razão e que eu esteja enganada. Deus queira que seja como tu dizes mas tenho medo de que seja realmente como penso...
- Bem se for assim como pensas, o que por agora como já te disse ainda é cedo para sabermos, tomaremos na altura certa, todas as medidas para que a nossa filha possa tornar-se uma criança feliz e para que cresça forte e saudável como qualquer outra. Fica tranquila minha querida porque, aconteça o que acontecer, bem sabes que por detrás das lágrimas estão sempre sorrisos. Além disso, repara que este é um momento de imensa felicidade para as nossas famílias e, com ou sem problemas nos olhos, ela é um rebento muito amado e desejado por todos! Se algo de diferente vier a ser necessário para a sua educação e crescimento, cá estaremos para a acompanhar, esclarecer e ensinar em tudo o que nos for possível!
Quando sentiu que a esposa estava mais calma, beijou-lhe ternamente os lábios, despediu-se dela com um doce até amanhã e pediu-lhe que cuidasse muito bem da mais recente membro da família Duarte. Já da porta da enfermaria, atirou-lhe um último beijo e saiu pedindo a Deus que as cobrisse a ambas de bênçãos e de boa sorte.
Enquanto conduzia em direcção a casa, Adriano levava a cabeça ocupada com um enorme turbilhão de pensamentos. De um modo jamais suspeitado, via-se subitamente confrontado com uma realidade absolutamente imprevista, que fugia por completo ao controlo dos seus planos e projectos.
Entretanto, sentia-se bastante inquieto com a hipótese de Cecília ter razão no que dizia, pois esse facto a ser verdade, iria alterar bastante as suas vidas e levaria a que, necessariamente tivessem de pensar de modo diferente do que haviam feito com Manuel, acerca do amanhã da menina. Certamente que, por maior que seja o número de filhos que um casal tenha, ia dizendo Adriano para os seus botões, o facto é que nunca família alguma se encontra preparada para lidar com o imprevisto, com a possibilidade de que o novo elemento vindouro possa ser portador de uma deficiência, seja ela de que género for, afecte-o em maior ou menor grau.
Foi embebido nesse género de considerações, que parou o carro junto da igreja onde costumava ir com a esposa todos os domingos. Uma vez no interior daquela, dirigiu-se à sacristia com o objectivo de lá ir procurar o sacerdote que era o seu confessor habitual e foi grande a satisfação que sentiu quando o ouviu por detrás da porta encostada, a falar com alguém ao telefone. Esperou pacientemente que ele terminasse a chamada e, depois de dar umas pancadinhas na porta para fazer-se anunciar, perguntou-lhe se ele o poderia escutar durante alguns momentos. Para grande alívio daquela alma inquieta, a resposta do sacerdote foi positiva, como acontecia quase sempre. Adoptando uma atitude de profunda reverência, expôs-lhe então amplamente as imensas aflições que naquele momento lhe apertavam o coração.
Algum tempo depois quando se encontrou novamente no exterior, com um semblante visivelmente mais aliviado, ia repetindo na mente as últimas palavras do sacerdote, que considerava cheias de sabedoria e bom senso:
- Adriano, se assim for, o que é realmente fundamental é que, após vencida a barreira da surpresa inicial, gradualmente e em conjunto vão começando a traçar planos e estratégias para um caminho de futuro que se adivinha necessariamente diferente do do Manuel. Mas, isso não significa de maneira nenhuma, que ela venha a ser uma menina menos feliz, ou menos alegre e talentosa do que o menino, pois o que é realmente fundamental é que vocês a aceitem e a amem com as suas virtudes e defeitos, independentemente de ela ter ou não, algum problema mais complexo de saúde, tal como poderá acontecer com qualquer outra criança. E olha meu filho, o que é realmente importante é o amor, pois quando ele existe mesmo, a felicidade não tem limites!

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