segunda-feira, 30 de maio de 2011

O Inesquecível Dia do “Catapum”!!...




A manhã tinha despontado luminosa e soalheira. A menina estava sentada num banco de madeira, que se encontrava encostado à parede branquinha da casa onde morava, olhando muito satisfeita para os passarinhos que voavam no alto do céu e apreciando as flores que iam despontando num e noutro lado do jardim. Sara tinha uns lindos caracóis castanhos claros e uns grandes olhos muito verdes e expressivos que brilhavam como duas safiras preciosas. Era o tempo das descobertas, das fadas, dos reis e rainhas, dos príncipes e princesas, das bruxas, dos castelos e palácios e dos duendes dos bosques encantados.
A menina, nos seus irrequietos quatro anos de vida, adorava que lhe contassem lindas histórias sobre todos esses mundos maravilhosos e de vez em quando, sonhava durante alguns minutos, que se transformava numa dessas personagens deslumbrantes. Nessas alturas, dum simples pauzito que encontrava no jardim fazia a sua varinha mágica ou então, colocando umas flores na cabeça e nas orelhas, fingia ser uma rainha muito digna e importante, umas vezes dando ordens aos seus servos, outras vezes falando com algumas pessoas do povo.
Como tinha a imensa felicidade de morar perto de um grande rio, sentia bastante prazer em correr e passear ao ar livre junto das suas margens, sempre acompanhada pelo pai, com quem tanto gostava de estar. Logo que sentia a fadiga a chegar-lhe aos pés ainda frágeis, olhava para ele e colocando-lhe as mãozinhas nas pernas, pedia-lhe carinhosamente, que a levasse ao colo um bocadinho.
Um dos seus passatempos preferidos, consistia em passear com o pai sob o agradável calor dos raios de Sol já do meio da tarde. De olhos postos ora no leito do rio, ora nas suas margens, lá iam saboreando o delicioso cheiro a marzia que aquele frequentemente exalava, pois na verdade a foz do mesmo não se encontrava a grande distância dos locais por onde era costume andarem.
Sara divertia-se bastante, nesses momentos privilegiados de convívio com o pai, pois aproveitava-os sempre para fazer-lhe diversas perguntas sobre a Natureza, acerca das gaivotas que voavam lá no azul do firmamento e também em relação a outros assuntos dos quais se fosse lembrando pelo caminho. Ele por seu turno, escutava-a pacientemente e procurava explicar-lhe da melhor maneira que sabia, qual o motivo pelo qual em certas alturas elas piavam emitindo sons mais agudos, e dizia-lhe também porque razões se abrigavam nos beirais das casas mais altas. Outras vezes, o pai explicava-lhe como era possível que as flores fossem tão lindas e tivessem um perfume tão agradável, porque caíam as folhas das árvores e onde estaria a razão para ambos apreciarem tanto caminhar juntos sobre as folhas amarelas, verdes e castanhas que por lá iam ficando, até que o vento as levasse dali para muito longe. Mal via um cão a escavar uma cova num jardim, logo o questionava acerca de quais os motivos por que o animalzinho estaria assim ocupado:
- Olha pai, achas que ele tem fome? Será que ele ali escondeu um osso e agora quer ir lá buscá-lo?
- Bem filha, ao certo, ao certo não te sei dizer, mas pode ser sim senhora, que lá tenha escondido um osso e agora pretenda resgatá-lo.
Depois de olharem durante alguns minutos para o animal, retomavam novamente a marcha. A pequenina adorava ir ver uma certa locomotiva dos caminhos-de-ferro, de tamanho miniatura que se encontrava exposta ao público, por detrás de uma vitrine, na estação de comboios mais importante da cidade onde morava. Logo que ali chegavam, o pai introduzia uma moeda numa ranhura que havia numa caixa por baixo da vitrine e a sessão de magia começava!
Confortavelmente instalada no colo do pai e com os olhos bem abertos para não perder pitada do que ia passar-se em seguida, Sara contemplava cheia de admiração, as luzes da locomotiva e dos vagões acesas, as rodas em movimento e olhava fascinada para o maquinista que lhe acenava do outro lado do vidro. A menina sorria com satisfação, enquanto escutava o som da locomotiva a deslocar-se sobre os carris.
Contudo, para grande espanto da pequena, após algum tempo de observação, tudo cessava completamente. As luzes da máquina e dos vagões apagavam-se, as rodas deixavam de andar, o maquinista não lhe acenava mais e o som do comboio em movimento desaparecia também. Por vezes, a menina pedia ao pai para o pôr a andar outra vez, desejo a que quase sempre ele acedia sem grande dificuldade, mas salvaguardando que aquela era a última moeda que colocaria na máquina. Assim, Sara sabia muito bem que, quando a locomotiva parasse novamente, era então chegado o momento em que o pai lhe diria:
- Pronto filhota, acabou! Agora vamos embora, está bem?
Quase sempre, Sara acedia de boa-vontade aos desejos do pai, pois ele prometia-lhe invariavelmente, que no próximo Sábado lá voltariam novamente, para verem o comboio a andar, mais um bocadinho.
Enquanto iam caminhando de regresso a casa, Sara tentava imitar com os bracitos e as mãos ora flectidos, ora estendidos o movimento do braço mecânico que unia as rodas traseiras e dianteiras da locomotiva, ao mesmo tempo que acompanhava os gestos de um sonoro e expressivo “catapum, catapum, catapum!
- É assim que o comboio faz, não é pai, perguntava a pequenina com ar entusiasmado e esperando encontrar um sinal de aprovação no rosto paterno.
- É sim senhora, estás a fazer muito bem!
Num dos Sábados em que foram como era costume, à estação para verem a locomotiva, o pai resolveu fazer uma surpresa à sua pequenina. Para grande espanto dela, dessa vez, quando o comboio parou e as luzes se extinguiram por detrás do vidro, eles não caminharam em direcção à porta da saída, mas dirigiram-se isso sim, para o balcão das bilheteiras.
Alguns momentos depois, confortavelmente apoiada no pequeno parapeito da janela duma máquina de comboio a sério e amparada pelo pai que de pé a segurava contra o peito, olhava para a frente e via fascinada, os carris a desdobrarem-se adiante dela. Entre os piuiis frequentes da máquina e os chiis dos travões a frenarem o movimento da composição à entrada de cada estação ou apeadeiro, a menina chamava a atenção do pai, ora para as grandes árvores próximas da linha, ora para os campos verdes que se avistavam muito lá no fundo. Outras vezes, eram os animaizinhos que neles pastavam que mereciam ser destacados pelo indicador atento da pequenina, isso para nem falar dos rios e pontes pelos quais iam passando.
Nesse dia à noite quando regressaram a casa, Sara mal podia esperar para contar à mãe tudo aquilo que tinha vivido naquela tarde maravilhosa. Por isso, logo que ela lhes abriu a porta da rua, Sara atirou-se cheia de entusiasmo para os seus braços e disse-lhe:
- Mãe, eu e o pai hoje fomos andar de comboio!
- Ai sim, e tu gostaste do passeio? Viram muitas coisas? Como é que foi essa aventura?
- Gostei muito do passeio, foi muito bom! Olha, vimos muitos animaizinhos a pastarem no campo, rios e pontes muito grandes, e... Enquanto pensava durante um bocadinho, olhou para o pai como que a solicitar uma ajudazita, pedido ao qual ele acedeu prontamente.
- Também vimos umas árvores muito grandes, várias estações e apeadeiros, não foi?
A pequenina acenou afirmativamente com a cabeça e já se preparava para continuar a sua descrição quando a mãe lhe disse:
- Calma Sarita, agora vamos lavar as mãos para irmos jantar e depois contas-me o resto. Durante a refeição dessa noite o entusiasmo da pequenina era tão grande que, não só comeu a sopa sem protestar como até garantiu que, se no próximo Sábado houvesse outro passeio como aquele, passaria a comer a sopa com ervilhas e couve-branca todos os dias sem resmungar.
Após se terem olhado durante uns breves segundos, os pais romperam em francas gargalhadas e muito embora sem saber bem porquê, Sara riu com gosto também! Ao contrário do que acontecia todos os dias, nessa noite, a menina não protestou para ficar a ver televisão mais um bocadinho e, até perguntou à mãe se já eram horas de ir para a nana, talvez para poder continuar as suas descobertas e aventuras, no seu pequeno mundo de sonhos e fantasias!


Sónia Queirós.

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